O som do sino da porteira, lá pelas 7 horas da manhã, interrompeu o trabalho na faxina da churrasqueira. Acionei as câmeras e tentei identificar a pessoa que aparecia nas imagens. O boné atrapalhou.
Tentei observar detalhes da figura. Achei! Era o vizinho de bombordo, carregando um volume. Parecia pedra de gelo, em três pedaços. Caramba, carga pesada.
Parti em direção, já levando o carrinho de obras — mil e uma utilidades — para socorrer o amigo.
— Tô trazendo gelo para refrigerar as bebidas — informou.
E eu: — Que bebidas?
Ele: — As que sobraram da ceia do Natal. É o enterro dos ossos.
—Caramba, eu nem lembrei desse detalhe. — Sobrou?
Não sei se foi minha ausência temporária no consumo, mas o fato é que a informação sobre a sobra da bebida da festa me deixou estupefato. Sem perceber minha admiração, o vizinho prosseguiu:
— Ficaram submersas na tina. Ninguém notou. — E acrescentou: — Ibiapina me chamou para comprar gelo e, depois, trazer as garrafas para o "local do crime".
Céus! O ano vai terminar e a turma não para de comemorar os anos: velhos, novos, ou os que pintarem no calendário. Bem, ainda incrédulo, prendi a Chiquinha, a cadela que tem tamanho de pônei, e abri a porteira para a nova festa chegar. Os pássaros retardatários, que ainda devoravam milho picado e se refrescavam na banheirinha, se espantaram e bateram em retirada diante do movimento de humanos no setor delas.
Perto da churrasqueira, já com o gelo no galão, o vizinho perguntou: — Tem cerveja gelada por aí?
Nem pisquei: — Somente refresco de tâmaras.
O amigo, com cara de espanto, rebateu: — Tô fora, obrigado.
E saiu, dizendo que iria ajudar a trazer as bebidas encalhadas. Enquanto isso, eu, que já estava com a jarra na mão, bebi o refresco, geladinho. E, não menos de dez minutos, o som do sino anunciou o que eu chamo de "romaria". Parecia fila do banco no dia de pagamento dos aposentados.
Caramba! Congestionamento de amigos na porteira. Que bom. Carnes suínas, bovinas, aves, peixes, salgadinhos e até uma bandeja com rabanadas. Céus, outra ceia fora de época ao redor da churrasqueira. As cervejas chegaram, também. Minhas bolachas não foram esquecidas. Nelson trouxe três pacotes.
Que mimo! Ou gozação?
O que era para ser um enterro dos ossos, acabou se transformando num réveillon antecipado. E ao invés da tradicional retrospectiva cheia de problemas como as secas, as chuvas e as guerras que maltrataram 2024,
o assunto foi a estratégia de Júlio para reduzir um pouquinho do efeito estufa.
Meticuloso, começou a nos ensinar a fazer churrasco sem fumaça. E explicou: — não atrai estranhos e não incomoda os amigos com problemas respiratórios — e passou a aplicar o sistema.
Adilsinho, animado e otimista, não perdeu tempo: — E não polui a nossa terra. É bom para a natureza do quintal, da vizinhança e quiçá, por extensão, da humanidade.
E nem precisa de chaminé! — Fred, irônico, arrematou: — Qualquer dia, teremos churrasco em pílulas.