Rio - Com a chegada do Outubro Rosa, campanha de conscientização para alertar mulheres sobre o câncer de mama, a especialista em Gestão de Saúde, a pesquisadora Chrystina Barros, conversou com a coluna sobre os prejuízos na pandemia em relação à diminuição de exames preventivos e tratamento de doenças. “Fazer um diagnóstico de câncer de mama precocemente, no mínimo pode significar manter, preservar uma mama. Sem falar no risco que a identificação tardia traz de metástases, ou seja, do câncer se disseminar. Isso pode ser a diferença entre a vida e a morte. Ano passado, 60% das mulheres deixaram de fazer seus exames de rotina. Isso vai nos trazer diagnósticos mais tardios e, com certeza, dificuldades e possíveis complicações”, alertou. A pesquisadora também falou sobre a politização e polarização na área da saúde. “Perdemos todos, adoecem os que são de direita, de esquerda e os que não são nem de um lado e nem de outro, porque o problema é muito maior – o que nós vemos é a negação e o desrespeito à vida”, disse.
O que as mulheres devem fazer para prevenir o câncer de mama?
Primeiro de tudo e não só para a prevenção do câncer, para tudo em saúde, é preciso educação. Precisamos de educação para conhecer, entender e nos conscientizarmos de que bons hábitos de vida, uma boa alimentação e atividade física regular, ajudam em tudo. São os comportamentos protetores que valem para a promoção da saúde e também para a prevenção do câncer, dentre outros, o de mama, que é o mais comum entre as mulheres. Mais de 24% dos casos de câncer em mulheres são de mama e, infelizmente, apesar de todo o avanço e índices de cura, é o que ainda mais mata em boa parte do mundo e aqui, no nosso país. Além disso, é claro, precisamos falar – e muito – no diagnóstico precoce. Porque ele pode fazer toda a diferença. Eu descobri meu câncer de mama pelo autoexame e precocemente, logo que ele se tornou palpável, um “caroço” pequeno, mas que eu senti porque antes eu não o encontrava quando examinava a minha mama. Eu me examinava e me examino sempre. Estou tratada, fiz cirurgia, radioterapia e hormonioterapia programada a princípio por 5 anos, acompanhando para eventualmente identificar e cuidar de alguma recidiva. Mas o cuidado não para nunca e posso dizer que, por hoje, estou curada, até com mais qualidade de vida do que tinha antes do diagnóstico, por conta da consciência do cuidado com meu corpo e a valorização da própria vida também. Claro que o autoexame é uma arma poderosa, mas não dá conta de fazer todos os diagnósticos sozinho. Então, realizar os exames de rotina conforme as melhores orientações e consenso técnico, também é fundamental. Não deixe de fazer a mamografia anual principalmente a partir dos 40 anos e a ultrassonografia da mama. Mas o autoexame e o cuidado têm que existir sempre, desde a adolescência até a menopausa. E homens também têm câncer de mama. Precisamos falar de saúde e vida, sem medo e sem preconceitos.
Quais os maiores avanços na ciência e na medicina no tratamento do câncer de mama nos últimos anos?
Se eu tivesse tido meu câncer de mama há 20 anos, talvez tivesse retirado a mama, que é a cirurgia de mastectomia, feito quimioterapia e estaria vivendo e tendo que lidar, talvez, com algumas restrições físicas, desconfortos... talvez tivesse vivido outros dramas de autoimagem, de efeitos colaterais difíceis, em decorrência dos tratamentos. Mas, sem dúvida, a tecnologia e o cuidado evoluíram muito e as possibilidades hoje de cura e qualidade de vida são muito maiores. Sem dúvida, as técnicas diagnósticas desenvolvidas permitem que os tratamentos indicados sejam os mais precisos, até mesmo conservadores, com toda a segurança. Tirar uma mama envolve muito mais do que uma cirurgia. Mas é uma decisão que pode salvar vidas e, para isto, precisa de análises genética, de imagem e uma série de outros conhecimentos que a ciência tem hoje e favorece cada vez mais e um cuidado menos traumático para todos, principalmente para a mulher que tem câncer de mama. As tecnologias de radioterapia evoluíram muito. Técnicas cirúrgicas, medicamentos orais, drogas com menos efeitos colaterais e até para quem passa pela queda de cabelo decorrente de quimioterapia, hoje existe uma touca que pode ser utilizada durante o procedimento, que minimiza e até evita este problema. Imagina o que é ter a possibilidade de manter seu cabelo tratando um câncer? Isso tem um impacto muito grande na vida da mulher. Mas se o cabelo cair, temos as perucas. Se a mastectomia vier, temos as próteses e as tatuagens de mamilo. Ou seja, são avanços fundamentais, todos para melhorar a prevenção ao tratamento, passando por todo o cuidado e suporte daquilo que são os possíveis efeitos colaterais para corpo e alma.
Como o Brasil e o Rio de Janeiro estão em relação a políticas públicas no combate ao câncer?
Infelizmente para todos os avanços e até mesmo para garantir o diagnóstico precoce, tudo isso precisa de acesso. Nós temos técnicos, profissionais, médicos, enfermeiras, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas… Enfim, temos cientistas maravilhosos que sabem o que fazem e estão sempre fazendo mais. O mundo evoluiu, nosso país e nosso estado estão conectados com o que existe de melhor no cuidado, mas temos uma grave crise de dificuldade e desigualdade nos acessos, tanto para diagnóstico precoce quanto para tratamentos. Isso acontece por falta de uma gestão eficiente, que articule redes, que seja baseada em dados e fatos independente de partido político ou quem foi eleito. Veja, por exemplo, o acesso à mamografia. O rastreio precoce do câncer de mama através da mamografia tem sucesso inquestionável. Mas nós temos cidades no sudeste do Brasil com uma capacidade instalada até 55 vezes maior do que a demanda, enquanto municípios e regiões inteiras no Norte e Nordeste não têm sequer um mamógrafo. E o que que se propõe às mulheres que vivem nestes lugares? Que soluções podem ser dadas? Investir em mamógrafos? Sim. Mas, além disso, a criação de centros de referência, a manutenção de sistemas e linhas de cuidado que deem conta de disponibilizar transporte, uma agenda de exame em um lugar mais próximo… acesso. Falta acesso. Cada governo traz uma política, atua localmente pelos interesses e influências de A ou B, em detrimento de gente que sabe fazer gestão baseada em dados para a saúde. Isso é muito triste. A própria formação profissional também tem sofrido. O investimento em grandes instituições públicas tem sido feito quase que para a manutenção de equipamentos que por vezes beiram ser obsoletos. Isso não é investimento. É manutenção, às vezes, até deficitária também. Nós temos institutos de pesquisa privados que têm coberto parte desta lacuna, mas, de alguma maneira, isto traz impacto a longo prazo na manutenção e na desigualdade de acesso a quem não tem um plano de saúde. É uma crise sanitária muito maior e que vem corroendo nossos conceitos de universalidade, integralidade e equidade, básicos para a saúde e a pandemia da covid destacou isso para o mundo inteiro.
Pacientes com câncer devem se vacinar contra covid-19?
Sim. De uma forma geral, todos devem se vacinar. Mas se a pessoa estiver em meio a um tratamento que, por vezes, mexe com o sistema imunológico, ou com alguma dúvida específica por estar em um momento agudo da doença, ou até mesmo alguma alteração na sua condição de saúde no dia a dia, vale consultar um profissional e até mesmo nas unidades de saúde, informar para ter a certeza de que pode tomar a vacina. Mas, em geral, não há contraindicações. Muito pelo contrário. Vacinem-se!
A priorização do combate à pandemia atrapalhou o tratamento de outras doenças? O câncer de mama, por exemplo, quanto antes for descoberto mais chances de cura. O quanto esse atraso em exames preventivos e regulares tem sido prejudicial?
Sem dúvidas atrapalhou. Nós ficamos quase um ano focados no cuidado a uma emergência. E isso não é um problema apenas do Brasil, é do mundo. Mas por aqui demoramos mais a retornar à normalidade da assistência e coordenação de ações para compensação do isolamento e todas as dúvidas que surgiram no início da pandemia. Em alguma medida, sim, foi necessário concentrar recursos e profissionais para o manejo desta crise de saúde pública. Mas faltou por completo um Ministério da Saúde forte que pensasse realmente em saúde. Não venham dizer que foi criado histerismo em torno da covid. Não. Isso é um problema real ainda. Matou e está matando muita gente que, com medidas preventivas e suporte adequados, poderiam estar vivas. Muita dor. Mas cabe ao gestor público dar as diretrizes e, no que é público, garantir o funcionamento adequado da estrutura, principalmente em tempos de crise. A atenção primária nunca podia ter parado. Aliás, em alguns lugares, estados e cidades, ela vem sendo quase que desmontada, renegada a segundo plano em nome de um pseudo investimento na cura. Digo pseudo, porque não existe cura se não houver planejamento e investimento, tanto em máquinas quanto em gente. Máquinas ficam bem em fotos, em inauguração, mas soltas, geram a situação destes mamógrafos completamente mal distribuídos que nós temos. E isso vale para tudo. Veja, falar em precocidade em saúde, faz toda a diferença. Isso vale para o câncer e para a covid também. Fazer um diagnóstico de câncer de mama precocemente, no mínimo pode significar manter, preservar uma mama. Sem falar no risco que a identificação tardia traz de metástases, ou seja, do câncer se disseminar. Isso pode ser a diferença entre a vida e a morte. Ano passado, 60% das mulheres deixaram de fazer seus exames de rotina. Isso vai nos trazer diagnósticos mais tardios e, com certeza, dificuldades e possíveis complicações. Existe até lei para garantir à mulher, que ela tenha acesso ao tratamento do câncer de mama, até 60 dias após diagnóstico. Mas, até 2019, antes da pandemia, de acordo com dados do próprio Sistema de Informações Ambulatoriais no SUS, o tempo médio foi quase o dobro – 113 dias. E isso como média. Têm mulheres que levam meses para fazer uma mamografia, outros tantos para uma consulta e até o diagnóstico, evoluem para condições mais críticas e perdem não só a mama, mas a vida enquanto buscam apenas... acesso. Isso é muito triste.
Como a senhora avalia essa politização e polarização na área da saúde atualmente?
Triste. Muito triste. Claro que não existe setor na vida que não seja influenciado pelo político. Isso é a vida em uma sociedade democrática, onde diferenças de visão de mundo se apresentam pelos atos. Mas hoje vivemos um drama. Porque, além das discussões estarem exacerbadas, das relações mais espúrias estarem influenciando nomeações, substituindo competência por trocas obscuras, nossa liderança executiva maior nega a vida. É uma visão de mundo que quer colocar armas no prato de comida. Então, a saúde navega com muita dificuldade. Tem muita gente boa. Mas está muito difícil de trabalhar remando contra esta forte maré. Perdemos todos, adoecem os que são de direita, de esquerda e os que não são nem de um lado e nem de outro, porque, como eu já disse, o problema é muito maior – o que nós vemos é a negação e o desrespeito à vida.
Whatsapp e Facebook se transformaram nos maiores meios de informação e de disseminação de fake news. Qual tem sido o impacto disso na área da saúde?
Gigantesco. Como tudo tem seu lado positivo. E negativo também. Mas prefiro destacar o positivo. Poder falar, compartilhar exemplos de enfrentamento, mostrar que o câncer pode ser um caminho difícil, mas é possível. Que assim como a vida, ele é uma etapa que nem todos terão, mas junto com a maior expectativa de vida, as possibilidades de tê-lo são maiores. Uma outra coisa muito importante é que, com as redes sociais, as informações estão mais claras e é muito bom quando a gente leva uma dúvida sobre o que viu em algum lugar, para literalmente debater com o médico. Ninguém é mais paciente. Cada vez mais somos atores, sujeitos, protagonistas das nossas histórias, mas não podemos achar que viramos experts com 5 minutos de vídeo na internet. E a gente volta para a educação. A educação é a ferramenta mais poderosa que temos para tudo na vida, principalmente para a saúde. E educação passa por liberdade, visibilidade e, por isso, as conexões e as redes sociais são tão importantes. Lógico que por ser um campo aberto, existe muita gente que vem contra, chega a investir no desenvolvimento de fake news, que prestam um desserviço e consomem muita energia. Tanto da gente, que precisa parar para se dedicar a desconstruí-las, e de quem as consome, porque vira uma paranoia, ganha uma força que poderia estar sendo aplicada ao cuidado puro e simples. Quantas coisas escutamos falar sobre máscaras, por exemplo. Que respira gás carbônico, que sufoca, que isso e aquilo... aí a gente vê nas Olimpíadas, atletas de alto rendimento usando máscara em competições. Quer dizer – não tem nenhuma verdade nestas histórias, mas tem até gente com instrução que passa a acreditar em suas mentiras e atrapalham todos nós. Máscaras salvam vidas! Mas a gente não se cansa e volto a afirmar – informação é tudo. Educação é tudo. Eu não vou te convencer a nada. Você se convence. E, para isso, a gente fala quantas vezes precisar, e essa beleza nós temos em muito pelas redes sociais. Imaginem o que não viveram as pessoas na pandemia da Gripe Espanhola? O quanto a gente não se conectou e que serviços maravilhosos para a saúde estas redes nos trouxeram. Fico com essa parte. Obrigada por este espaço de compartilhar minhas reflexões, minha história e pela saúde!
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.