ASPÁSIA CAMARGO (PSDB) Coligação: PSDB, DEM, PP, MDB, PTB, SD, PPS, PV, DC, PHS, Avante, PMNDivulgação

Embora o Brasil tenha sido o terceiro país do mundo a criar uma rede de esgoto, instalada por Dom Pedro II no Rio de Janeiro, o manejo das águas ainda é um grande desafio. Para tratar do tema, O DIA entrevista Aspásia Camargo, co-autora do livro "A Epopeia do Saneamento: da revolução sanitária às tecnologias do futuro", que reúne história, política, urbanismo e economia. Ela explica a conjuntura atual do estado fluminense em termos sanitários e apresenta caminhos para solucionar os problemas. Além de doutora em Sociologia, Aspásia é ex-deputada da Alerj, foi presidente do IPEA e secretária executiva do Ministério do Meio Ambiente no governo Fernando Henrique.
O DIA: Segundo o livro, a cidade do Rio de Janeiro foi a terceira a viver a revolução sanitária, depois de Londres e Hamburgo. Como era antes e o que foi feito?
ASPÁSIA: Desde a antiguidade, o crescimento das cidades levou a constantes epidemias. Havia cólera, que era um verdadeiro pânico na Europa, até que um médico descobriu que a doença era transmitida pela água. Surgiu dali uma revolução sanitária, criando canos, afastando o esgoto da casa das pessoas. Esse sistema chegou muito tardiamente a países mais pobres, mas por obra e graça de Dom Pedro, que era um cientista, o Rio foi a terceira cidade a ter um contrato com a companhia inglesa de saneamento. Isso vingou por 90 anos, e tivemos um progresso incrível do Centro ao Flamengo. Foi uma revolução poderosa que avançou durante a República Velha. Mas o contrato acabou, e não tivemos um desenvolvimento que acompanhasse o crescimento caótico do Brasil.
Qual foi a evolução para o quadro atual, em que parte significativa da população vive em condições insalubres?
Na Constituição de 1988, criamos um problema federativo. Foi criado um novo ente, o município, que recebeu várias responsabilidades, incluindo o saneamento — mas a maioria não tem capacidade de investimento. No estado do Rio, cidades da Baixada ficaram totalmente abandonadas. Isso significa o sacrifício e a doença de metade da população, que não tem acesso ao tratamento de esgoto. Mesmo a água não é um problema resolvido. A perspectiva de universalizar o acesso era só por volta de 2060.
Por que a Baía de Guanabara ainda não foi despoluída?
Por causa do óbvio: o recurso que recebemos era muito pequeno para uma missão tão grande. Foi uma brincadeira pensar que com US $700 milhões seria possível. Houve planejamento, mas, na minha visão, o governo trabalhou de maneira oportunista. Foram construídas seis Estações de Tratamento de Esgotos, mas não o principal, que é a canalização e a conexão dos troncos coletores com as residências. Atualmente, o contrato é por número de casas conectadas à rede, e não pela quilometragem de canos. Outra questão é a necessidade de constituir uma autoridade sobre a baía: o navio que bateu na Ponte Rio Niterói foi um alerta. Alguém tem que se responsabilizar.
Que mudanças a senhora enxerga desde a sua atuação na Alerj até agora, no panorama do saneamento?
As mudanças foram muito grandes e para melhor, por exemplo, com a correção do marco de 2007, que não funcionava. Ele dava titularidade para os municípios, mas os deixava escravos das companhias estaduais — que não tinham dinheiro nem capacidade gerencial para fazer os investimentos necessários. A criação do Instituto Rio Metrópole é outro ponto positivo, pois a região tem que ser vista como um todo.
Qual é o maior desafio do estado do Rio de Janeiro na questão do saneamento?
É melhorar a qualidade da Agenersa, a agência regulatória. O governo já fez uma licitação e aumentou o número de funcionários, mas ainda precisamos de mais pessoas para dar conta dos problemas. E esses profissionais precisam ser muito capacitados para enfrentar os problemas apontados no nosso livro, que vão das questões jurídicas às locais. Por exemplo: supostamente a Zona Sul tem saneamento e a Baixada não. Só que os canos são muito antigos, alguns até da República Velha. Por isso vemos esgoto correndo pelas ruas, por causa de rompimentos. Ou seja, não basta estender a rede: é preciso fazer a manutenção.