Colunista Rafael Nogueirareprodução
Dou um caso: Edino Krieger, célebre músico catarinense radicado no Rio de Janeiro até ano passado, quando morreu, contava que só pôde se tornar uma referência porque um dia fez um recital ao governador do estado, que se impressionou com o talento do menino e encontrou meios de apoiá-lo. Em entrevista que deu nove anos atrás, afirmou que, sem a ajuda estatal, não teria chegado aonde chegou.
Poderia citar vários outros artistas que viram seus talentos desabrocharem graças a subsídios, incentivos ou até promoção estatal – Shakespeare, Carlos Gomes, Victor Meirelles, Beethoven, Goethe etc. Há também aqueles que se desenvolveram com recursos de mecenas privados, a exemplo de parte considerável dos renascentistas (também subsidiados pela Igreja) e, no Brasil, de Heitor Villa-Lobos.
O meu ponto é: o desperdício de talentos é também uma questão de Estado, e não pode depender só da liberalidade dos endinheirados. O Estado tem um papel civilizador que tem sido esquecido: receptáculo e intérprete das potências e dores do povo, o centro político-administrativo tem o dever de, numa escavação do solo humano em busca de metais nobres, encontrar os tesouros em forma bruta, para lhes dar os meios de virarem preciosidades.
É por isso que me incomodo quando ouço da direita que a Cultura não deveria ter lugar no Estado, sustentando-se só pela lógica do mercado. Quando me dizem isso, detecto uma certa incompreensão quanto ao papel civilizador e formativo do fomento estatal, e também algo ainda mais dramático – o desconhecimento das instituições de memória e de guarda de acervo.
A memória bibliográfica do país está preservada porque existe no Rio de Janeiro uma Biblioteca Nacional, que tem por missão receber e preservar cópias dos livros publicados no Brasil. Por sua natureza, ela cresce cada vez mais, e precisa de estrutura predial, de segurança, de servidores bem formados e, claro, de recursos que viabilizem tudo isso.
Para o gestor público, cortar gastos é uma maneira de demonstrar respeito ao dinheiro suado dos cidadãos, mas também pode ser irresponsabilidade, e até hipocrisia. Porque quando alguém muda dieta e faz exercícios para perder peso e melhorar a saúde, precisa cuidar para que a gordura excessiva vá embora sem que perca muita massa óssea e muscular. Que dizer se a restrição levasse não só a esses efeitos indesejados, mas também à perda de massa encefálica? É nisso que penso, como resultado, quando vejo esse tipo de desprezo à cultura.
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