opinião pb paulo márcio

É magistral a forma como a vida de J. Robert Oppenheimer é retratada por Cristopher Nolan, esse artista imenso, de obras tão diversas como 'Interstellar' e 'Dunkirk'. Baseado na biografia de Kai Bird e Martin J. Sherman, intitulada 'American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer', o filme enriquece os sentidos com a mecânica quântica, em suas três horas de duração.
A história do físico que desempenhou papel crucial na invenção da bomba atômica, e que viveu entre a sensação de dever cumprido e o peso do arrependimento, exibe dilemas tanto nos diálogos quanto na fisionomia de Cillian Murphy. O ator encarnou o cientista de tal forma que transparecem vivamente de sua face, e sobretudo de seus olhos, as dores do parto de um mundo novo, ou de um suplício à Prometeu.
Não poderia o elenco ser melhor. Matt Damon interpreta o general Leslie Groves, o destemido supervisor militar em Los Alamos. Benny Safdie dá vida a Edward Teller, que pressionou pelo desenvolvimento de uma bomba de hidrogênio ainda mais perigosa. E a participação sensacional de Gary Oldman como Harry Truman, o presidente que ordenou o uso das bombas no Japão.
É uma experiência tremenda; talvez um pouco mais voltada para um público interessado ou de cultura acima da média. São exigidos conhecimentos básicos sobre a ciência do século XX, familiaridade com os personagens, atenção a diálogos em velocidade crescente. O que pode afastar quem busca uma narrativa fácil.
A grandiosidade técnica fica evidente pelas transições entre colorido e preto e branco, que evocam questões derivadas da física quântica. Essa alternância oferece ao espectador visões distintas da realidade, evocando a dualidade presente nas discussões sobre a natureza da luz, se é onda ou partícula. Sob essa ótica, o filme questiona onde reside a verdade, e os avanços e retrocessos brincam com a relatividade do tempo.
A jornada da equipe do Projeto Manhattan — liderado por Oppenheimer, para acelerar o desenvolvimento da arma que viria a pôr fim à Segunda Guerra Mundial —, é posta em xeque após os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, no Japão.
Pelo diálogo direto com dois deles, o filme incita a pensar também sobre o totalitarismo. Enquanto a bomba ceifou 200 mil vidas numa única ocasião, os regimes totalitários, como o comunismo soviético, mataram mais de 200 milhões de pessoas fora do contexto de guerra, por meio da fome, perseguição política fatal, prisões e campos de concentração, expondo com toda a crueza o ápice da violência estatal. Ao expor perseguições que se utilizam de perigos reais para atingir adversários pessoais ou políticos, ironias atuais ainda permeiam a trama e ecoam dilemas contemporâneos.
De fato 'Oppenheimer' é um retrato dramático de um cientista notável. Mas não é só por isso que surpreende. É também por sua capacidade de levar o espectador para o mais estranho, o mais absurdo dos mundos. Que pode acabar por tudo e por nada. E que ainda é este em que vivemos.