Arte coluna opinião 16 agosto 2023Paulo Márcio
Com um profundo sentimento de tristeza, a comunidade acadêmica e cultural do Brasil se despede de um ícone: o renomado historiador José Murilo de Carvalho.
Sua partida deixa um vazio que dificilmente será preenchido. No dia em que celebramos a paternidade, uma das maiores bênçãos da vida, também nos deparamos com o peso da perda.
Ao longo de sua carreira, José Murilo de Carvalho deixou um extraordinário legado. Suas contribuições literárias, exemplificadas por obras emblemáticas como "Os Bestializados", "Cidadania no Brasil", "A Construção da Ordem" e "Teatro das Sombras", desvendaram as intricadas nuances da história e política brasileira. Sua dedicação incansável à exploração das origens e evoluções culturais do país é digna de admiração.
Lembro de nosso encontro em março de 2020, um momento fotografado que agora assume um valor ainda mais significativo. Abria suas portas naquele dia o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do qual éramos ambos sócios. Pouco esperávamos que o mundo logo passaria por uma pandemia que transformaria a vida de muita gente.
Após o evento, compartilhamos um momento mais informal numa churrascaria. Lá, pude expressar respeito e admiração pelo grande historiador. Foi um privilégio poder discutir com ele os pontos mais intrincados de sua obra, como a compreensão mesma da independência do Brasil. Sua visão sobre a participação do povo, discutida com base na obra "Guerra Literária", feita a partir de panfletos custodiados pela Biblioteca Nacional, redefiniu a narrativa tradicional. E a dele próprio.
Na época, levantei um ponto de discussão: a possibilidade de entender o Brasil colonial e o contexto da independência por meio do conceito de homogeneidade das elites. A resposta foi reflexiva. E surpreendente: a visão de que apenas as elites moldaram a independência merecia uma revisão.
Há mais um aspecto revelador e instigante em sua "Guerra Literária", que escreveu com Lúcia Bastos e Marcello Basile e que em nossa gestão à frente da Biblioteca Nacional ficou disponível virtualmente: contrariando suas visões anteriores sobre cidadania, José Murilo nos conduz à conclusão de que o letramento não é um pré-requisito para a participação política.
José Murilo de Carvalho se destacou não apenas como pesquisador, mas também como alguém capaz de liderar exemplarmente. Sua preocupação com a Academia Brasileira de Letras e sua dedicação à sua memória foram evidentes; atuava como diretor do arquivo.
A academia e o país lamentam a partida de um grande brasileiro, cujo legado perdurará por gerações. A geração de historiadores e cientistas políticos brilhantes da qual ele foi parte perde mais um de seus membros, e parece insubstituível no horizonte mais próximo.
Enquanto expressamos sentimentos aos familiares e amigos, também reconhecemos a imortalidade de suas contribuições. José Murilo de Carvalho deixou no tecido da História uma marca que continuará a brilhar em páginas brasileiras, a iluminar nosso entendimento da rica tapeçaria da nação.
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