Rafael NogueiraRafael Nogueira

Quando falamos em política pública de cultura, inúmeros impasses vêm à mente, agravados pela polarização política que tanto caracteriza nossa época. Os desafios variam conforme a estrutura e prioridades de cada local, refletindo a identidade étnica, regional ou nacional, bem como a fase política que cada povo atravessa. Adicione-se a isso a tensão entre tradição e inovação, financiamento público e privado, centralização e descentralização, chamamento público e contratação direta, e temos diante de nós um quadro complexo enfrentado por gestores culturais em todo o mundo.
Os dilemas não são exclusivos nossos; são presentes globalmente. Nos Estados Unidos, a gestão cultural é marcada pela predominância da iniciativa privada. O financiamento de instituições culturais e projetos artísticos depende amplamente de doações e patrocínios de indivíduos e corporações. Entidades como o National Endowment for the Arts (NEA), vinculada à presidência da república, fornecem subsídios, embora seu orçamento seja frequentemente alvo de polêmicas e cortes.
Na França, o modelo de gestão cultural é altamente centralizado, com o Estado à frente do financiamento e da promoção das artes. O Ministério da Cultura francês, criado em 1959, simboliza essa abordagem, coordenando esforços em todo o país. Os subsídios são amplos e variados, apoiando desde museus e teatros até festivais locais. Contudo, essa centralização pode levar a uma certa rigidez burocrática e a debates intermináveis sobre a dependência do setor artístico e a falta de inovação.
A Alemanha apresenta um modelo híbrido, combinando financiamento estatal significativo com uma forte tradição de apoio regional. A Filarmônica de Berlim e seus museus são alguns dos melhores exemplares do mundo. Os Länder (estados federais) possuem autonomia para desenvolver suas próprias políticas culturais, permitindo uma gestão adaptada às especificidades regionais, mas exigindo coordenação eficiente entre diferentes níveis de governo para evitar redundâncias e garantir uma distribuição equitativa dos recursos.
Na Itália, a cultura é um pilar essencial da identidade nacional e do turismo. O vice-premiê e ministro das Relações Exteriores, Antonio Tajani, afirmou que seu país talvez seja a maior potência cultural do mundo. A gestão cultural enfrenta o desafio de equilibrar a preservação do vasto patrimônio histórico com a promoção de novas expressões artísticas. O financiamento público é complementado por parcerias público-privadas, especialmente em projetos de restauração. Os debates versam sobre segurança, transparência e a necessidade de preservar o patrimônio histórico em equilíbrio com a promoção do novo.
Na Coreia do Sul, o governo investe pesadamente na promoção da cultura, com iniciativas como o Korean Wave (Hallyu) impulsionando a música, o cinema e a moda. O Ministério da Cultura, Esportes e Turismo coordena esses esforços, promovendo tanto a cultura tradicional quanto a contemporânea em âmbito mundial. No entanto, há uma preocupação crescente com o equilíbrio entre a comercialização da cultura e a preservação de suas raízes. O sucesso da cultura pop levanta questões sobre a autenticidade cultural.
Em artigos futuros, pretendo aprofundar o assunto e analisar mais modelos de outros países. Esse exercício pode nos levar a encontrar novos e melhores caminhos para o caso do Brasil. Estou convencido de que estamos presos em um falso dilema entre investir – sem examinar bem como, onde e por quê – e descredibilizar políticas que podem desenvolver talentos históricos e levar cultura a todos os rincões de nosso imenso país. Nada disso é levar cultura a sério. Espero ansioso pelo dia em que a cultura será entendida como parte essencial da massa, e não só como a cereja do bolo.