Rafael Nogueira Divulgação
Na política do dia, nas redes sociais, nas ruas e nos podcasts, os valores conservadores estão em alta. Gente simples, estudantes, comerciantes e donas de casa começam a desconfiar daquilo que antes aceitavam sem pestanejar: que tudo é culpa do capitalismo, que a família é uma opressão, que o Brasil começou errado em 1500. Há uma vitória visível — e barulhenta.
Mas, ao mesmo tempo, a direita segue perdendo na cultura. De modo silencioso, profundo e constante, vamos perdendo nas universidades, nos livros escolares, nos roteiros dos filmes, nas redações dos grandes jornais. Perdemos onde se molda o imaginário. Onde se decide o que será lembrado e o que será esquecido.
É a velha história: o povo curte, comenta e aplaude, mas não escreve. E quem não escreve acaba escrito.
Já vimos isso acontecer — e mais de uma vez. A Idade Média foi narrada e reduzida por homens que a odiavam: os modernos, os iluministas, os românticos envergonhados. E, vencida na narrativa, tornou-se um espantalho — tão eficaz que os poucos que ousam admirá-la hoje o fazem com pedido de desculpas nos olhos.
A monarquia brasileira, embora admirada por boa parte da população, incluindo membros da elite, quase a totalidade dos libertos e até muitos dos que a derrubaram, caiu de maduro, sem resistência. Tinha prestígio, mas lhe faltava voz.
O regime militar, por sua vez, foi vitorioso nas ruas, nos palanques, nas eleições indiretas. Tinha o apoio tácito — e às vezes entusiástico — da maioria silenciosa. Mas perdeu onde realmente importa: na imaginação e no discurso. Perdeu não pelos seus erros, que houve, mas porque não soube explicar a si mesmo. Enquanto marchava com ordem e progresso nas avenidas, era lentamente desfeito nas salas de aula, nas redações, nos palcos e nos porões das editoras.
Quem não se explica, será explicado. E, muitas vezes, mal explicado. O que permanece não é sempre o que foi verdadeiro, mas o que foi dito com mais beleza ou mais persistência. A história não se impõe sozinha — precisa ser contada, defendida, transmitida.
Hoje, assistimos à repetição do erro com nova embalagem. A direita — ou o que se chama direita — domina as conversas de bar, os vídeos virais, os grupos de WhatsApp. Está presente nos memes, nos perfis de Instagram, nos discursos improvisados de vereadores que se dizem o novo Burke — embora só tenham lido uns posts e umas orelhas. Vence no calor da multidão. Mas perde, discretamente, nos mesmos lugares de sempre, que sou obrigado a repetir: nas universidades, na imprensa, na produção editorial e audiovisual. Perde porque não sabe — ou não quer — ocupar o lugar de onde se decide o que será eterno.
Há quem diga que é só uma questão de tempo. Que a maré mudou e logo a direita terá sua própria intelligentsia. Não. Uma nova intelligentsia não nasce de likes. Nasce do silêncio. Do estudo. Da dor. Do esforço contínuo de forjar palavras que durem mais que o ciclo eleitoral.
Isso leva décadas. Às vezes, séculos. Sobretudo quando se herda o vício de considerar o estudo uma afetação de gente metida à besta.
E aqui cabe uma crítica lateral — mas não menos urgente. Porque entre os que se dizem de nosso campo, abundam também os dinheiristas: essa fauna ansiosa que acredita que cultura se deixa para depois, quando os investimentos estiverem sólidos, o patrimônio garantido e a vida estabilizada. "Depois que eu enriquecer, aí sim: vou ler, estudar, entender o mundo." Como se inteligência fosse hobby de aposentado.
O que essas pessoas ignoram é que sem cultura, a fortuna vira vício; sem estudo, a liberdade vira ruído; sem pensamento, o sucesso vira caricatura. São homens práticos, sim — mas práticos como uma pedra. Carregam tudo, compreendem nada.
A direita continua, portanto, repetindo a fórmula da vitória derrotada. Celebra números como se fossem méritos em Oxford, e despreza a lenta formação de uma elite pensante.
Isso exige método, disciplina e visão de longo prazo — virtudes raras entre aqueles que confundem conservadorismo com rebeldia malcriada.
É verdade: escolas foram criadas, editoras fundadas. Mas isso é o plantio. A colheita virá — se houver paciência e perseverança. Não basta semear ideias; é preciso cuidar delas por anos, talvez por gerações. Precisamos ocupar cátedras, fazer mestrados, devorar livros de história e escrever outros melhores. Precisamos produzir filmes bons — realmente bons —, capazes de encantar o público sem trair a verdade.
Querem vencer? Comecem pela gramática. Parem de bradar em caixa alta e aprendam a escrever um parágrafo que sobreviva à próxima eleição. Ocupem os cursos de Letras, de História, de Direito. Vão aos festivais, aos júris, aos comitês. Disputem o imaginário com a paciência de um monge copista.
Se não fizerem isso, continuarão a triunfar nas urnas e a desaparecer nos livros. Serão lembrados como bufões de uma era histriônica — e não como os fundadores de um novo ciclo.
Porque no fim, o que resta não é quem gritou mais alto, mas quem escreveu melhor.
Porque no fim, o que resta não é quem gritou mais alto, mas quem escreveu melhor.
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