Por daniela.lima

Rio - Não se conhece a alma de um povo sem que se conheçam suas histórias sobrenaturais. Penso de imediato no Rio de Janeiro. Houve um tempo, na década de 1970, em que o carioca passou a ter uma certeza inabalável: seríamos enterrados vivos. A histeria que marcou a cidade começou com uma versão macabra da morte de Sergio Cardoso, um ator famoso à época.

Segundo relatos que partiram sabe-se lá de onde, Sérgio Cardoso sofria de catalepsia e fora enterrado vivinho da silva. Lembro-me de minha tia, católica praticante que, entre uma missa e outra, se consultava com Seu Tranca Rua, afirmando que era a mais cristalina verdade. Dizia ela que, após o enterro, os funcionários do cemitério começaram a escutar gritos horrendos vindos da sepultura do ator. Acharam que era coisa de alma penada, mas os gritos duraram meses, quebrando o sossego do campo santo.

Um dia alguém levantou a lebre de que Sérgio Cardoso queria sair do caixão. O boato que tomou conta de todas as esquinas e botequins do Rio de Janeiro assegurava que coveiros, assombrados com o esporro que o defunto fazia, resolveram abrir a urna para dar uma olhadinha. O corpo estava revirado e a tampa do caixão apresentava sinais de que o defunto tinha tentado escapar de todas as maneiras. A notícia, apesar dos desmentidos oficiais, espalhou-se pela cidade.

Minha avó tinha uma vizinha, dona Saquarema, que, diante do risco de ser sepultada viva, resolveu colocar em testamento a exigência de só ser enterrada 72 horas depois de bater as botas; tempo julgado suficiente para o falecimento se confirmar ou não. Os mais radicais preferiam velórios de uma semana. Alguns mais ousados cogitaram levar radinhos transmissores nos caixões. Em caso de acordar vestindo o pijama de madeira, bastava fazer a ligação:

— Câmbio. Fui enterrado vivo no Catumbi. Câmbio...

O morto que acordou no caixão vinha, dessa maneira, se escalar no time de outras tantas assombrações: a loura de algodões nas narinas que atacava crianças em banheiros de colégios; a bruxa do Arco do Teles; a mulher de branco que pedia carona na porta do cemitério; o trem que saía de Santa Cruz levando mortos até a Central do Brasil; o menino degolado por linha de pipa com cerol que aparecia sem cabeça querendo brincar; o fantasma cientista do castelo da Fiocruz; a soprano morta que cantava nas madrugadas no Theatro Municipal e muito mais.

De minha parte, lanço a ideia: acho que todo defunto deveria ser enterrado com um telefone celular. O problema é achar sinal dentro da tumba.

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