Rio - Fiel ao candomblé, Arlindo Cruz dá uma admirada nas guias que sua mulher Babi leva para a sessão de fotos do DIA. E conta que maior que seu samba, é Deus lá em cima. “Eu quero é força! Meu casamento teve cinco celebrações: umbanda, candomblé, budismo, e por aí foi”, brinca o sambista, que pôs o amigo Marcelo D2 para ler o Salmo 91 na introdução do samba gospel ‘O Mundo Em Que Renasci’, no novo disco, ‘Herança Popular’. “Leio os salmos diariamente. São canções. Mesmo no espiritismo, fazemos orações em iorubá e lemos a Bíblia.”
Arlindo soube do caso noticiado pelo DIA do garoto X., 12 anos, aluno da rede municipal, impedido de frequentar as aulas por usar guias sob o uniforme. “É uma ignorância, né? E está longe de ter um fim. Até hoje há guerras em nome da religião”, lamenta o cantor, cuja mãe já foi do candomblé e hoje é evangélica. Mas nada de crises religiosas em família.
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“Minha mãe ainda vai no candomblé às vezes. Meus irmãos também frequentam. E ela entende. Ela me passou a fé dela. A gente rezava o terço juntos”, conta, ao lado de uma imagem enorme de São Jorge no bar da sua casa, no Recreio — que já foi sua moradia e hoje é seu escritório.
Se sambas fossem gols, Arlindo poderia já estar preparando a festa no Maracanã. Com ‘Herança Popular’, seu novo CD, o sambista alcança a marca de 700 músicas gravadas. E imagina já ter chegado às mil músicas compostas. “É que tem muita música que a gente faz só pra gente, né? Pra filho, amigo... Nem dá pra saber”, relata.
O disco novo traz Arlindo Neto, filho de Arlindo, na produção. “Adorei ele ter confiado tudo a mim: músicas, capa”, diz Arlindinho. “E eu obedeci meu filho no estúdio”, brinca o sambista. “Ele até cortou algumas coisas e depois reconheci: ‘É, o cara tem um bom ouvido’. Era na sinceridade, ele até falava: ‘Tirei umas merdas que você falou aí’”, diverte-se. Partiu do filhão a ideia de fechar o CD com um samba-funk da pesada: a regravação de ‘Ela Sambou, Eu Dancei’ (“massa funkeira, não me leve a mal”), do Grupo Raça, com participação de Mr. Catra.
“Comecei o disco citando Cartola e Candeia na música-título e terminei com o Catra. São as gerações mudando, né?”, diz Arlindo, veterano dos bailes. “Aos 13 anos, eu ia para o Portelão dançar soul e paquerar. Adorava James Brown, Black Rio, Cassiano. Pô, cadê o Cassiano?”, pergunta, antes de citar um caso em que o jovem rebelde era ele. “Tocava samba com os filhos do Candeia (baluarte portelense morto em 1978). E o Candeia fez uma música que falava que ‘o black de hoje é o sambista de amanhã’ (‘Sou Mais Samba’). Acho que ele fez isso aí para mim!”
Arlindo regrava ‘Somente Sombras’, feita com Zeca Pagodinho nos anos 80 para Jair Rodrigues gravar. Zeca canta na nova versão. “Ele chegou a chorar no estúdio, lembrando da época. A gente não tinha grana, passava até fome!” Mas o foco é nas novidades. Por influência da filha de 11 anos, Flora, o sambista usa direto o Whatsapp — e até gravou uma música no CD relatando uma paquera pelo aplicativo, ‘Whatsappiei Pra Ela’. “Deve ser o primeiro samba sobre isso. E é justamente um samba de roda, que é um dos estilos mais antigos”, anima-se.
O amigo surfista Pedro Scooby, parceiro no programa ‘Esquenta’, de Regina Casé, ganha homenagem em ‘O Surfista e o Sambista’ e até canta na música. “Ele cantar é mole, né? Duro é eu ir lá surfar com ele!”, brinca Arlindo. “Tem gente que pensa que o Pedro é da Zona Sul, mas ele é lá da Vila da Penha, vinha para cá surfar de van. E adora samba”, conta.
SAMBA DO AMANHÃ
ARLINDO CRUZ está mesmo orgulhoso do filhão Arlindo Neto, que acaba de lançar DVD. “Ele nem sabia ler ainda e já decorava as letras dos meus sambas-enredo. Pegava a escova de cabelos e fingia que era microfone, para cantar. Ele tem o mesmo ideal meu de cantar samba com letra de qualidade, falando do romance e do social”, diz o sambista, colocado no caminho da música pelo pai, o Arlindo original, que o ensinou a tocar.
“Quem segurou as barras lá de casa foi minha mãe, mas ele foi um grande pai”. Outro orgulho é o amigo Marquinhos Sensação, que o tem como padrinho e, vindo do grupo de pagode Sensação, gravou DVD solo, com participação dele e de Diogo Nogueira, Dudu Nobre, Belo e Péricles. “No Sensação, minha dupla com o Carica era como a do Arlindo e do Sombrinha. O som dele, do Jorge Aragão e do Almir Guineto está nas nossas raízes”.