
Rio - Quinta-feira à noite escrevi sob o impacto de um dia emocionante a minha coluna de hoje, que, tradicionalmente, entrego na sexta-feira anterior. Qual minha surpresa ao ver que o meu querido amigo Moacyr Luz escolheu também homenagear, na sua ótima coluna de sexta, Efson como símbolo de tantos outros sambistas ‘invisíveis’ para quem não é do riscado. Sambistas que passaram por aqui como cometas. Nossas colunas não são exatamente iguais, por isso, decidi manter a minha, afinal, todas as homenagens aos sambistas são poucas. Desculpe-me, Moa, mas acredito que esta coincidência é resultante de uma sintonia fina entre duas cabeças sensíveis à música. Aquele abraço. Vamos a ela.
O samba é repleto de heróis. Nossos batuques não sobreviveram a tanta porrada, a tanta perseguição, a tanto desprezo por acaso. O samba teve seus defensores desde os tempos áureos do rádio, passando por geniais intérpretes que conseguiram quebrar o sistema e dar voz aos nossos grandes compositores. Mas só o conseguiram porque eram e são inevitáveis, porque são semideuses que atropelam a mediocridade quase geral de quem faz rádio, de quem dirige as gravadoras, ou dirigiam. Ciro Monteiro, Roberto Silva, Roberto Ribeiro, João Nogueira, Clara Nunes, Beth Carvalho, Alcione, Zeca Pagodinho quebraram barreiras, enfrentaram modismos de ocasião, mas, mesmo esses artistas únicos, não chegariam onde chegaram sozinhos. Para cada um deles, um exército mais silenciado que silencioso trabalhou incansavelmente, armado de versos e melodias. Para cada dúvida de um comerciante musical, uma pedrada, um samba cantado nas ruas, nas favelas, nos botequins. E assim a vida segue, desde que o samba é samba.
O maestro Rildo Hora, certa vez, me teceu um elogio que nunca esqueci. Disse: “Eu sempre gostei de você porque fortaleces o time do samba. Não o dos figurões, não o do Zeca, o da Beth apenas, mas do pessoal da retaguarda.” E, de fato, desde que me esgueirei pelo samba, lá pelos meus 17, 18 anos, gostava mesmo era de ir a um bom pagode em Madureira, de ouvir as histórias dos inseparáveis Seu Osmar do Cavaco e o Guaracy, violonista da Velha Guarda da Portela; de curtir o ótimo humor de Argemiro. Amava ir ao Candongueiro dos primeiros tempos e para onde mais meu nariz e seu faro sambista apontassem.
Assim sendo, tive o prazer de conhecer muita gente que só conhece quem vai para a rua, quem rola por aí. Tive o enorme prazer de conhecer e ser amigo do flautista e estivador Claudio Camunguelo, um dos personagens mais fantásticos do samba; de Bandeira Brasil, incansável criador de pagodes pela cidade, que me contou muitas histórias de Beto Sem Braço; de Carlinhos Doutor, que foi cavaquinista do Zeca e virou meu parceiro no Simpatia É Quase Amor; do adorável brigão Renatinho Partideiro, que partiu cedo demais, que passou por este mundo quase como um dos geniais versos de improviso que criava.
Pois na quarta-feira passada, dia 5 de novembro, o samba perdeu mais um destes operários geniais. Efson parava qualquer pagode, atraía a atenção pela sua maneira curiosa de cantar, pela performance que incluía, para desespero dos músicos, a clássica subida na mesa, desviando de copos e latinhas, para entoar clássicos como ‘Hoje é Dia de Festa’, gravada por Zeca, ‘Firme e Forte’, parceria com Nei Lopes imortalizada por Beth Carvalho, e outras.
No mesmo dia, no entanto, Toninho Geraes lançava seu ótimo disco no Teatro Rival, sem grandes alardes, sem quase nenhuma divulgação. E toda a turma do samba estava lá, fazendo a roda do samba girar. O operário que partiu, todos os que já se foram e os que ainda estão na batalha nos enchem de orgulho e da certeza que outros, e outros, e outros virão.
Efson e Geraes são para o samba o ‘Operário em Construção’ de Vinícius de Moraes: “Era ele que erguia casas onde antes só havia chão”.
P.S.: “Aproveita hoje porque a vida é uma só” (Efson e Nei Lopes).