Por daniela.lima

Rio - Ontem foi aniversário do Circuito Estação de cinemas, que completou 29 anos. A data ganhou uma importância especial nos últimos meses, quando foi divulgada a notícia de que o grupo, que andou na UTI, acometido pelo vírus de uma dívida de R$ 43 milhões, corria o sério risco de fechar as portas. A luta para reverter a situação tem elementos de um roteiro eletrizante, cujos protagonistas seriam o casal Marcelo Mendes e Ana Beraba, uma profissional batalhadora da área de distribuição e presença solidária nos dias de agonia e ansiedade do companheiro. 

O Estação sobreviveu às dívidas e faz 29 anos com nova parceriaReprodução


Marcelo conheço, vá lá, há mais de 29 anos. Portanto, antes de o Estação pensar em existir. Fomos colegas de Curso de Cinema da UFF e, desde então, mesmo seguindo caminhos profissionais diferentes, nos víamos com regular constância nos cinemas do Estação ou nos festivais aqui e alhures. No ano passado, voltei a encontrar Marcelo e a acompanhar mais de perto o drama por que passava o mais importante circuito de cinema alternativo do Rio de Janeiro.

Mesmo abatido, Marcelo parecia incansável na determinação de superar as dificuldades, que não eram poucas. Sem grana para advogados, ele mesmo tratou de preparar os termos da recuperação judicial da empresa e de renegociar a dívida com os sócios. Dividiu sua angústia pela imprensa e sobretudo pelo Facebook, que transformou numa espécie de diário das datas limites para o Estação definir o futuro ou acatar o fechamento definitivo. A página do Estação no Face superou em pouco tempo a marca dos 10 mil seguidores, que a rechearam com memórias saborosas de sessões e encontros inesquecíveis.

A mobilização contribuiu para o clima favorável ao Estação, que reduziu a dívida para R$ 8 milhões e agora parece ter encontrado o caminho para contorná-la com o estabelecimento de uma parceria visionária com a NET, que, além das reformas necessárias e da compra de equipamentos digitais modernos, promete estabelecer um caminho comum inédito no país entre as janelas de programação do cinema e da TV a cabo. Diante disso, os 29 anos do Estação merecem ser comemorados com muita festa e com espaço ainda maior para reverenciar seu passado e preparar o terreno para o futuro.

Acrescento aos relatos de memórias alguns instantes mágicos vividos no Estação, como a visão de clássicos como ‘Muriel’ e ‘Stavisky’, de Alain Resnais, a mostra de filmes do iconoclasta Buñuel, as sessões de ‘Sherlock Jr’, de Buster Keaton, e do raríssimo ‘De Crápula a Herói’, de Roberto Rossellini. As aberturas musicais ‘De Faça a Coisa Certa’, de Spike Lee, e de ‘Buena Vista Social Club’, de Wim Wenders. A antológica corrida do ator Denis Lavant por um banlieu parisiense em plano-sequência ao som do David Bowie de ‘Modern Love’, em ‘Mauvais Sang’, de Leo Carax.

Mas se tivesse que escolher uma lembrança, até agora, ficaria com a do debate em sala lotada com o intrépido alemão Werner Herzog. Em espanhol perfeito, o diretor de clássicos como ‘Nosferatu’ e ‘O Enigma de Kaspar Hause’ fazia considerações sobre sua obra quando foi interrompido por um grito vindo da entrada da sala: “Agora eu cheguei!” Nada mais nada menos do que Grande Otelo, ator de ‘Fitzcarraldo’, dirigido pelo alemão, dando o ar da sua graça com total irreverência. O mesmo Otelo cuja foto, ao lado de Oscarito, ilustra o saguão do Estação e é uma das marcas do grupo. Dá para imaginar a emoção da noite, que resumiu bem o espírito e a importância do reduto cultural capaz de juntar Aguirre e Macunaíma na mesma pajelança. Que venha o centenário!

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