Por tabata.uchoa
Rio - Foi no Natal que passou. Papai Noel suava de dar pena, a roupa imprópria para os trópicos, de veludo vermelho grosso feito uma lona, pesava mais ainda por conta do suor e da sujeira acumulados a cada ano. Colada ao corpo, coçava que era um desespero. A barba de algodão começando a virar uma pasta ensebada. Ô, dureza!
Gritava Hô! Hô! Hô! Hô! pelas ruas do Centro, pra lá e pra cá. Hô! Hô! Hô! Hô!, com o saco vermelho às costas, cheio de papel amassado e caixas de presente vazias, o que aumentava mais ainda a sensação insuportável de calor.
Pensou que eu fosse amolecer%2C mané%3F! Tu acredita em Papai Noel%3F Reprodução Internet

Na esquina de Buenos Aires com Uruguaiana parou para tomar um refresco no vendedor ambulante. Encontrou um coligado, atravessador de celulares, parceiro lá de Brás de Pina, e desabafou:

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— Ano que vem não faço mais essa merda!
O outro se espantou:
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Onde já se viu, Noel, quase um santo, falando essas coisas?
Moleque que acompanhava a mãe às compras fingiu fazer um agrado e beliscou a bunda do Bom Velhinho.
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— Está vendo aí? Alguém merece?
O amigo sorriu. Hô! Hô! Hô! Hô!, esbarrando em sacolas, o tênis chafurdando nas poças sob a chuvinha miúda. As crianças sentavam no colo e puxavam a barba do infeliz:
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— Papai Noel! Papai Noel!
Tome celulares, máquinas fotográficas, flashes, flashes, vira o rosto, agora um selfie, abraça o gordinho, põe a magricela no ombro, passa a mão no rosto do remelento. Não enxergava a hora de encerrar a via-crúcis, com o fim da jornada puxada de nove horas, e embarcar no seu buzão com destino ao boteco mais próximo de casa.
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No fim do dia, Papai Noel — que se chamava Vitalino ou Aureliano — tirou a roupa de guerra, mais a barba e todos os apetrechos, e enfiou tudo no saco de batalha. Recebeu a diária e seguiu pela Rua da Alfândega, pés cheios de calos e dever cumprido.
Não chegou à Central do Brasil. Rendido antes do Campo de Santana, entregou o dinheiro e o saco. Tentou argumentar, que deixassem pelo menos sua farda natalina, indumentária indispensável na hora de ganhar o pão.
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O assaltante colocou a roupa e o tênis dentro do saco. Encarou Vitalino ou Aureliano, que tremia feito vara verde, só de cuecas:
— Pensando bem, já que é o teu ganha-pão...
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Suspirou aliviado:
— Beleza, irmão.
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— Pensando melhor ainda... Vou fazer o maior sucesso lá em casa, quando aparecer com essa fantasia.
— Caraca...
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— Pensou que eu fosse amolecer, mané?! Tu acredita em Papai Noel? Hô! Hô! Hô! Hô!
E sumiu na direção da Barão de São Félix.
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