Por clarissa.sardenberg
Rio - “Becos escuros, ruas desertas, sombras, sussurros, noites e frestas”. Se adicionarmos a essas palavras — versos iniciais da canção ‘A Chave da Porta da Frente’, do Barão Vermelho — homens solitários e violentos, quase sempre manipulados por mulheres fatais, chegaríamos a um resumo honesto dos elementos essenciais da literatura ‘noir’. Gênero mais extremo do romance policial, boa parte de suas histórias tem cidades sombrias como cenários — uma metáfora física para as trevas internas dos personagens que as habitam.
Diante de tanta escuridão, pelo menos a princípio é difícil imaginar o Rio de Janeiro — metrópole reconhecidamente solar e praiana — como lugar ideal para receber esse tipo de trama. Esse foi o desafio imposto a dez escritores pelo guitarrista e também escritor Tony Bellotto, organizador da coletânea de contos ‘Rio Noir’ (ed. Casa da Palavra, 316 págs., R$ 39,90), que chegou às livrarias na última semana.

Primeira compilação nacional inspirada na consagrada antologia ‘US Noir’ — que reúne textos dos melhores autores policiais norte-americanos —, ‘Rio Noir’ mostra, por meio de 11 contos, os aspectos mais obscuros da cidade. Para isso, cada um dos escritores convidados estabeleceu seu texto em um bairro da cidade e, em cada um deles, há um crime a ser desvendado.

Coletânea de contos policiais 'Rio Noir' mostra cidade por outro ânguloDivulgação

“Por meio dos contos, entramos em contato com alguns dos aspectos menos conhecidos e mais sombrios da cidade. É na solução dos crimes apresentados nos textos que vemos um Rio de Janeiro mais violento, que não é ensolarado e nem tem céu azul. Todos os escritores que participaram do projeto conseguiram estabelecer esse clima”, explicou Bellotto.

Já experiente no gênero — autor de três romances do detetive Bellini, além de outros títulos —, coube ao Titã, além de organizar a compilação, escrever a história curta que se passa no Leme.
“É um bairro que me intriga. O fato de estar ao lado de Copacabana e, ainda assim, ter uma identidade própria sempre chamou minha atenção. Além disso, aquele paredão de rocha no fim da praia me pareceu um bom cenário para um conto policial”, justificou o escritor, que vive em Ipanema.

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Mais jovem entre os escritores que fazem parte do projeto, Raphael Montes encontrou menos dificuldade para transferir para as páginas a face mais agressiva da cidade. “Vivo em Copacabana e a vida noturna aqui, às vezes, é bem violenta. Isso me deu o material necessário para escrever o texto que se passa no bairro”, diz. Conhecido pelas narrativas longas, para ele o desafio foi alcançar a concisão exigida pelo conto. “Tive cinco meses para escrever, mas simplesmente travei. Só consegui concluir o texto a duas semanas do prazo final. Não é o meu formato.”
Os crimes ficcionais da Cidade Maravilhosa mostrados em ‘Rio Noir’ serão traduzidos para o inglês e, a partir do ano que vem, chegarão às prateleiras norte-americanas — o livro será vendido pela Akashic, editora que detém os direitos originais de ‘US Noir’. Além disso, a Casa da Palavra já começa a pensar em coletâneas semelhantes, cujos contos se passarão em outras cidades brasileiras. A próxima deverá ser ‘SP Noir’.
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“Antologias como esta nos lembram do Rio de Janeiro real, descrito numa frase de Rubem Fonseca: ‘A cidade não é aquilo que se vê do Pão de Açúcar’, teorizou Bellotto.
Para o bem ou para o mal, é a pura verdade.