Por clarissa.sardenberg
A função de crítico de cinema em geral exerce interesse e repulsa. Algumas pessoas diante de um crítico se encantam, pois vislumbram ali uma vida fabulosa, dividida entre as salas de cinema, coquetéis de pré-estreia e o glamour dos festivais internacionais. Mal sabem do desconforto da rotina de cabines exclusivas, do fastio dos atrasos das pré-estreias e da árida tarefa de cobrir festivais em que, além de assistir aos filmes, é preciso conferir as entrevistas coletivas, brigar por exclusivas e ainda escrever com rapidez de piloto de fórmula um.
Por outro lado, há os que enxergam no crítico um recalcado profissional. Aquele que, por não conseguir um lugar no panteão dourado dos artistas, vive à espreita, escarafunchando as obras dos outros e encontrando nos defeitos alheios a maneira de silenciar seu notório fracasso. Em geral, são os mesmos que, diante de uma crítica favorável, não titubeiam em exibi-la aos quatro cantos como troféu. Mas, como os encantados do parágrafo anterior, não estão completamente equivocados. Como em qualquer profissão, há críticos e críticos. E se fossem tão descartáveis, não estavam aqui até hoje.
Filme ‘O Crítico’%2C do argentino Hernán Gerschuny%2C estreia hoje no Rio Divulgação

‘O Crítico’, filme de estreia do argentino Hernán Gerschuny que chega hoje aos cinemas, traz os profissionais da crítica para o centro da trama, numa comédia romântica em que a referência é o próprio cinema e suas armadilhas convencionais, das quais nem o mais crítico dos críticos pode escapar. Sintomaticamente, no último Festival de Gramado, o filme recebeu justo o Prêmio de Melhor Filme da… Crítica!

Tellez (Rafael Spregelburd) é o protagonista entediado em crise com sua profissão. Recém-separado e solitário, vive em conflito com o objeto do seu desejo, passando a odiar praticamente todos os filmes modernos, sobretudo as açucaradas comédias românticas. Seu amargor é tal que, há duas décadas, não dá cotação máxima a um filme. Já nem sequer pensa em castelhano, seus pensamentos são em francês, como se sua mente definitivamente tivesse se projetado, e ficado, na idade da nouvelle vague.

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Tudo muda quando conhece Sofia (Dolores Fonzi), com quem disputa um imóvel. Aos poucos, Tellez passa a ser envolvido por uma teia romântica repleta de clichês do gênero que mais despreza. É nesse desenrolar que reside o que há de melhor em ‘O Crítico’, pois obriga público e, por que não?, crítica a refletirem sobre os inúmeros aspectos contextuais que influem sobre as nossas opiniões.
Como crítico, observei, juro que sem recalque, que ‘O Crítico’ tem suas imperfeições, por conta de subtramas que muitas vezes se perdem, como as relações entre Tellez e sua sobrinha. Mas vale destacar, também sem recalque, o que o filme tem de melhor, como as piadas metalinguísticas, a provocação estéril entre os críticos e o clipe especial em que Tellez desvenda os clichês das comédias românticas enquanto cenas de filmes recentes são exibidas para reforçar sua tese. No fundo, o que o filme aponta é que, por mais severo que sejamos, a vida, às vezes, nos prega peças dignas dos historicamente apelativos melodramas mexicanos. E aí até o mais crítico dos críticos chora.

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