Por daniela.lima
Saúde pra dar e venderDivulgação

Rio - As conversas de final de ano já giraram em torno de renovação, de esperança de dias melhores, de projetos pessoais, de promessas e resoluções. Hoje se pensa mais na Mega Sena da Virada. Talvez porque seja mais fácil mesmo resolver todas as questões acima com um bom dinheiro no bolso, apesar de, como já sabemos, dinheiro não ser tudo nessa vida. Mas acho curioso, e eu mesmo me pego em meio a devaneios alucinados, os rumos que as pessoas pensam para a própria vida caso a sorte e seus milhões resolvam beber um champanhe e ver a queima de fogos em Copacabana ao seu lado.

“Eu não vou fazer mais nada”, diz um vizinho aqui da rua. Diante disso, entrei no bolão. “Em um ano acabam as vacas e bois do mundo”, completa outro, churrasqueiro de mão cheia, já pensando nas comemorações. “Eu, então, vou comprar o Cardosão (o botequim) e mandar o Eduardo (o dono) embora”, resmunga um bebum. “Não vai, não, porque eu estarei rico e bem longe de vocês”, defende-se, rindo, o Dudu, já entrando na vaquinha — não a do churrasco, mas a da loteria mesmo.
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De cara, eu penso em ajudar alguns amigos, ganhar o mundo, abrir uma produtora apenas para gravar os discos que eu gostaria de ouvir, de mestres e jovens compositores que o mercado ignora, contratar um camisa 10 pro Mengão, salvar o Botafogo da Segundona, fortalecer minha Portela para que ela volte ao primeiro lugar. Daria todo o dinheiro do mundo para que não houvesse mais criança nos sinais, massacres, desrespeito pelas liberdades individuais, desastres naturais, essa corrupção medonha que nos assola. Ufa, haja dinheiro.
Mas, pensando no que faria por mim mesmo, lembrei-me de um samba de Nei Lopes e Carlão Elegante que meu pai cantava para mim, não sem razão, quando eu tinha meus 17 anos. ‘Solução Urgente’ é uma pérola em que o protagonista discorre sobre as atitudes que precisa tomar para melhorar de vida. “Vou buscar uma solução urgentemente/ Vida malcuidada, realmente a gente sente, que não vai pra frente”, diz o refrão.
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A primeira providência, diz a letra, “é tomar tenência e parar de beber”, pois “tanto vai o pote à bica, que um dia ele fica e eu não quero ficar”. É, preciso pensar nisso com carinho. A segunda “é pedir clemência pro meu orixá ”, já que “quem não pode com mandinga não brinca de ter patuá”. Ai, na lata! Tenho que ficar mais pertinho e fazer um agrado pros santos.
Mas aí vem a terceira e última providência, “parar de compor”. “Deixar de ouvir as estrelas, deixar de entendê-las falando de amor”. Então Nei, gênio das imagens poéticas e do humor ferino, completa: “Mas pra que isso me ocorra/ É preciso que eu morra e eu não quero morrer”, jogando tudo no ventilador da vida.
Vejo hoje essa música como uma maneira muito própria do meu pai dizer que não existe mudança radical, que nenhuma solução ou obrigação deva ser tão drástica a ponto de nos privar de nossos pequenos prazeres que a Mega da Virada não paga. Acredito em resoluções pensadas, não em soluções definitivas.
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Que 2015 seja para todos nós o ano da virada, sim. Da virada de mesa, no bom sentido, da virada de alguns copos, da pá virada, da virada pra lua. É isso, mentes e corações mais abertos e, o principal, “saúde pra dar e vender”.
PS: Se alguém, por acaso, chegar ao próximo ano também com “muito dinheiro no bolso”, dê uma moralzinha aqui para o colunista.
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