Por tabata.uchoa
Rio - Na próxima segunda-feira, a Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro realiza uma homenagem ao mais importante documentarista brasileiro: Eduardo Coutinho, morto tragicamente em 2014 assassinado pelo filho, vítima de esquizofrenia. O evento ocorre no Centro Cultural do Banco do Brasil, às 19h20, com a exibição do já clássico, ‘Edifício Master’, de 2002, seguido de debate coordenado por este colunista.
Cena do filme ‘Edifício Master’%2C dirigido por Eduardo CoutinhoReprodução Internet

A trajetória de Eduardo Coutinho marcou-se por uma conjugação de criatividade, determinação e sobretudo inquietude estética para testar os limites entre ficção e documentário. O que o lugar-comum caracterizou como possível “método” de abordagem e entrevista, no fundo sempre combinou mais com uma busca generosa pela construção de um estilo próprio, em que a montagem passou a obedecer a critérios rigorosos fundamentados na apropriação ética da imagem do outro. “Não filmo para derrubar ninguém. Filmo para que se elevem. Para que voem”, dizia Coutinho.

Quem melhor analisou a obra foi o crítico Carlos Alberto Mattos, em seu livro essencial ‘O Homem que Caiu na Real’, infelizmente publicado apenas em Portugal. Seria uma boa republicá-lo, de forma ampliada na terra do diretor de ‘Cabra Marcado Para Morrer’.
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Carlos Alberto disseca filme a filme os passos de Coutinho rumo a um carimbo documental particular. Elucida que, antes de se consagrar no gênero, o cineasta passou por experiências ficcionais, dialogando com a chanchada ‘O Homem que Comprou o Mundo’ e debatendo-se contra o Cinema Novo, como em ‘Faustão’, um filme de cangaceiro com inspirações shakespearianas. Passou então pela experiência do ‘Globo Repórter’ dos anos 70, cujo formato, mais próximo ao cinema do que à televisão, foi uma espécie de ateliê para os mais importantes documentaristas brasileiros.
Mas é com ‘Cabra Marcado para Morrer’ que Coutinho dá a guinada que iria levá-lo a uma condição única na história do cinema brasileiro. Tendo como referência um filme de ficção inacabado dirigido pelo próprio, realizado em pleno golpe de 64, na Paraíba, o cineasta busca, 20 anos depois, costurar a vida daquelas pessoas locais que toparam ser personagens. O contraste entre o passado e o presente, o alinhavar de um Brasil recortado pelo autoritarismo, chegou às telas justamente nos estertores da ditadura e tornou-se essencial para a compreensão da história do país, não apenas sob o prisma político, mas também social, cultural, econômico e estético.
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Depois disso a carreira de Coutinho solidificou-se em filmes como ‘Santo Forte’, ‘Peões’ e ‘Jogo de Cena’. Nenhum no entanto repercutiu tanto quanto ‘Edifício Master’, escolhido pela Associação de Críticos do Rio para ilustrar a homenagem de segunda-feira. Nele, Coutinho aferrou-se ao dia a dia de um gigante imobiliário, com 276 apartamentos, para compor um mosaico que não tem por propósito compor a imagem de um extrato geográfico ou populacional do Rio de Janeiro.
‘Edifício Master’ compõe um mosaico da vida comum, que, se vista como incomum, revela um imaginário de múltiplas histórias que superam qualquer ficção. Quem for ver ou rever o filme no CCBB constatará o voo e a elevação que os entrevistados conseguiram realizar. Ao serem eles mesmos, nunca foram tão Coutinho.
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