Por daniela.lima
João Pimentel%3A SeparaçãoNei Lima

Rio - A relação não andava boa. Então, resolveram fazer uma viagem, uma espécie de lua de mel daquelas que normalmente só servem para que cada um perceba, em outro país, que a vida a dois está inviável, que o tempo e a intolerância já haviam deixado suas marcas indeléveis. Mas tentar não custa nada, principalmente quando se tem milhas, um dinheirinho guardado e a casa da amiga de uma amiga para ficar. Londres foi o destino escolhido, mais precisamente um subúrbio londrino cuja população era em sua maioria de indianos e seus descendentes.

Já no aeroporto, os dois se encontram — isso mesmo, já não moravam juntos e foram em táxis separados — e ela surge com uma mala enorme, mais pesada que ela própria. Ele, com a paciência e delicadeza habituais, já lhe dá as boas-vindas:
— Para que tudo isso? Você está de mudança?
— Quem sabe? Sempre é uma opção... E, no mais, tem rodinhas, não preciso da sua ajuda — revidou a moça.

No voo, ela ainda pegou na mão do namorado (?), lembrando que ele tinha pavor de pousos e decolagens. Foi talvez um dos últimos gestos de carinho do casal.

Ao desembarcarem no aeroporto de Heathrow, passaram pela alfândega e, antes mesmo de chegarem aos pés de uma escada, não rolante, diga-se de passagem, “plec”, uma das tais rodinhas partiu ao meio, provavelmente pelo excesso de peso da mala. E assim começou um dos maiores trabalhos de estiva internacional executado por um brasileiro. Sem grana e ainda pela distância, é evidente que não havia a possibilidade de se pegar um táxi. Cruzaram a capital inglesa se revezando em ônibus, trens, metrôs e a pé. E assim se passaram duas semanas.

Fizeram os passeios turísticos clássicos. Foram aos museus, cruzaram quilômetros de parques, beberam litros de cervejas em pubs, passearam pela orla do caudaloso Rio Tâmisa como se tudo pudesse acabar a qualquer momento. O quê, aliás, era inevitável. Mal se falavam, com o temor mútuo dos finais de relacionamentos. Já não havia confiança, respeito.

Na casa em que ficaram, ambos com um péssimo inglês, a dona, muito simpática, tecia pequenos comentários sobre amenidades, esforçando-se para ser a melhor anfitriã possível. O casal, por sua vez, entrava pé ante pé para não incomodá-la, ou para evitar os constrangedores diálogos. Levavam de volta para casa sempre um pequeno farnel comprado em uma lojinha de um indiano, que não abria a boca nem para dar boa noite.

Até que, faltando poucos dias para regressarem à realidade imutável da separação, a doce anfitriã decide fazer um jantar de despedida, com a participação de um casal brasileiro amigo. A conversa transcorreu sem muitos atropelos. Falaram sobre música, sobre as saudades que tinham do país natal, sobre política, até que a dona da casa surge com o jantar. Uma espécie de macarrão com tudo o que ele menos gostava na culinária mundial. Cogumelos de todos os tipos, pimentões de todas as cores, cebola, pepino e sabe-se lá mais o quê.

Sem saber o que fazer, ele olhava para o lado esperando um resquício de cumplicidade, uma compreensão que os casais apaixonados têm, um gesto de amor. Mas não havia mais nada. O casal amigo foi embora, e ficaram os dois com a anfitriã. Ela de prato vazio. Ele comendo o que conseguia, os poucos fiapos do macarrão.

A gentil inglesa, talvez percebendo a situação, foi para dentro de casa arrumar algumas coisas, dando a deixa para ele dar um fim no seu martírio na lata de lixo da cozinha.
Nunca mais o casal trocou uma palavra. Na volta, ao passarem pelo mercadinho cotidiano, o indiano fez uma grosseira e inusitada proposta:

— Vocês vão embora? Quer deixar ela aqui comigo?
Os dois pensaram duas vezes antes de pegarem o trem rumo ao aeroporto.

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