Por karilayn.areias

Rio - De 1990 a 1995, quando saiu ‘Samba Pras Moças’, nono disco de Zeca Pagodinho, só os fãs ouviam falar do sambista. Ele, depois do sucesso em 1986, vinha de uma fase de poucas vendagens na gravadora BMG (hoje Sony). “Eu saí da mídia. Só não deixei de viajar nem de fazer shows”, recorda o cantor, que nos anos 90 teve uma mudança gradativa de qualidade de vida ao comprar a propriedade que mantém até hoje em Xerém, na Baixada Fluminense. “Lá, conheci amigos que me ajudaram a viver com menos loucuras e mais responsabilidade. Passei até a guardar dinheiro. Nunca tinha feito isso”. Esses últimos 20 anos de carreira são o filé da caixa de 20 CDs ‘Partido Alto’, com sua discografia na Universal, desde a época em que se chamava PolyGram.

O som que marca os álbuns de Zeca até hoje%2C uma mescla de ritmos afro com samba de gafieira%2C foi montado em 1995 no estúdioDivulgação

O retorno de Zeca à linha de frente, na casa nova, não foi uma vendagem estrondosa (280 mil cópias), mas trouxe sucessos como ‘Samba Pras Moças’ (Roque Ferreira e Grazielle), ‘Já Mandei Botar Dendê’ (Arlindo Cruz, Maurição, Zeca), além do estreante cavaquinista Dudu Nobre assinando ‘Vou Botar Teu Nome na Macumba’. E provocou o reposicionamento de Zeca na MPB. “Ele passou a encher todo tipo de casa de shows. Cantou no Metropolitan, no antigo Canecão. O disco do Zeca tocava em condomínios da Barra da Tijuca, em trilhas de novelas”, observa Rildo Hora, arranjador e produtor de Zeca desde 1995.

O jornalista Luiz Fernando Vianna, autor de um livro com o nome de Zeca para a série ‘Perfis do Rio’, defende que 1995 foi o ano da mudança para o próprio samba, graças a dois bambas: Zeca e Martinho da Vila, por sinal parceiros em um sucesso de ‘Samba Pras Moças’, ‘Se Eu Sorrir Tu Não Podes Chorar’.

“Nos anos 90, o pagode romântico estava em evidência e o samba ficou em segundo plano. O Martinho lançou ‘Tá Delícia, Tá Gostoso’, vendeu um milhão de cópias e sinalizou para as gravadoras que valia voltar a investir no samba. O Zeca também parou com as loucuras. Antes, ele chegou a pensar em voltar a ser anotador de jogo do bicho!”, diz Vianna. A mudança funcionou, e se a disputa de compositores para ter um lugar nos discos de Zeca já era grande, a partir daí aumentou. “Tanto que ‘Samba Pras Moças’ é o último disco autoral de Zeca, com sete músicas dele”, conta Vianna.

Martinho recorda que quis até parar com tudo antes de ‘Tá Delícia...’ “Casei, fui morar na roça, quis dar um tempo. A Sony quis que eu fizesse um disco de cantor. Escolhemos juntos, eu e a gravadora o repertório, coisa que nunca fiz”, espanta-se, lembrando do disco que tem ‘Mulheres’, de Toninho Geraes. Um personagem que tinha tudo a ver com a fase anterior da carreira de Martinho acabou sendo decisivo para o sucesso do disco do colega: justamente Rildo Hora. “O Zeca mudou de gravadora e o Rildo foi trabalhar com ele”, recorda Martinho, lembrando que ‘Se Eu Sorrir Tu Não Podes Chorar’ veio de uma ideia de Zeca. “Foi num dia em que a mulher dele chegou em casa de cara amarrada”, diverte-se.

Zeca com Dudu Nobre (E)%2C Jorge Perlingeiro%2C Jorge Aragão%2C Martinho da Vila%2C Dodô (Pixote) e Anderson Leonardo%2C do Molejo ISABELA KASSOW / BANCO DE IMAGENS

O som que marca os álbuns de Zeca até hoje, uma mescla de ritmos afro com samba de gafieira, foi montado por Rildo em 1995 no estúdio. Aproveitando a verba “de mais que o dobro do normal” (conta o arranjador) liberada pela gravadora, ele deixou de lado os teclados que dominavam as sessões de samba naquela época, e levou uma orquestra para tocar com o artista. “É uma paisagem sonora. O disco começa com um samba baiano, uma violinha, depois duas flautas. E a batucada vai comendo! Esse som, com poucos sopros, usando mais cordas, clarinetes e flautas, e sempre priorizando a batucada, virou o que muita gente chama até hoje de ‘Samba Zeca’”, define.

Ao vivo e coletâneas

Trazendo toda a produção pós-1995 de Zeca (menos o álbum mais recente, ‘Ser Humano’), incluindo discos ao vivo e até coletâneas, ‘Partido Alto’ (R$ 435) traz outros discos de sucesso, como ‘Deixa Clarear’ (1996, do hit ‘Descobri Que Te Amo Demais’), ‘Hoje é Dia de Festa’ (1997, de ‘Faixa Amarela’) e ‘Deixa a Vida Me Levar’ (2002, com a faixa-título, que virou hino dos jogadores da seleção brasileira na Copa do Mundo do mesmo ano). A pedido do cantor, a caixa traz ainda os três primeiros álbuns de sua fase anterior, de pouca mídia, na BMG (hoje Sony): ‘Boêmio Feliz’ (1988), ‘Jeito Moleque’ (1989) e ‘Mania da Gente’ (1990). Por problemas contratuais, não foi possível incluir a estreia homônima (mais de um milhão de cópias em 1986) e o subse-quente ‘Patota do Cosme’ (1987), ambos da RGE/Som Livre. Zeca mal participou da caixa. “Não me ligo nisso”, diz.

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