Zélia Duncan
Zélia DuncanDenise Andrade
Por Filipe Pavão*
Rio - Em meio às incertezas da pandemia, Zélia Duncan tem um grande motivo para comemorar: a niteroiense completa 40 anos de estrada em 2021. Mas ela não quer só olhar para o passado e lançou, na última sexta-feira, um álbum de inéditas que reflete dúvidas e perguntas sobre o momento que vivemos. Lançado pela Universal Music, “Pelespírito” possui 15 faixas e é fruto do encontro com o produtor pernambucano Juliano Holanda. Todas as faixas foram gravadas em estúdios caseiros para respeitar o necessário isolamento social.
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“Nós fomos compondo compulsivamente, por necessidade artística e pessoal. Não havia uma intenção de marcar o momento simplesmente, sabe? Estávamos e estamos desabafando, procurando respostas, fazendo perguntas, como acredito que todos estejam. Mas é um trabalho que sempre vai nos lembrar o que andamos passando, espero que seja um respiro para quem o ouvir, como foi, para mim, ter gravado”, diz Zélia.
Além de perguntas, o disco, que traz elementos do folk, country, rock, blues e sertanejo, também fala de amor, marca já registrada na discografia da artista. “Sou romântica e adoro cantar e servir meu canto a quem se apaixona, a quem, como eu, acredita no amor como o melhor caminho. Acho que nunca precisamos tanto, aliás”, conta ela, que lamenta a LGBTfobia em pleno 2021 e o uso de palavras como “sapatão” para fazer xingamentos.
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“Tenho falado muito sobre isso porque o ambiente no país ficou tão mais tóxico do que já era, que a ignorância ganhou terreno e está orgulhosa de suas violências e absurdos. Mas demos nossos passos também, sabemos nos fortalecer, estendendo a mão uns aos outros e usando o que antes era ofensa, com orgulho. Essas palavras são nossas, temos orgulho de ser quem somos e isso vai nos salvar”, pondera.
“Será otimismo ou esperança?”
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Se em “Raio de Neon”, a compositora diz que “tá fácil, não”, na última faixa do disco, “Vai Melhorar”, ela passa uma mensagem positiva sobre o futuro. Questionada se é uma pessoa otimista, ela confessa que não é. No entanto, garante que mantém a esperança.
“Não sou otimista, tenho até medo que o otimismo me cegue e distorça a realidade. Tenho esperanças e acredito na luta diária, na conquista de direitos, na solidariedade. Acredito em fazer o bem, em ajudar quem passa pelo nosso caminho... É bom ouvir o disco todo e na ordem, pois eu quero terminar com esse respiro, sabe? Estamos vivos, temos que deixar esse mundo um pouco melhor para a juventude que vai retomá-lo. Viu? Acredito na juventude. Será otimismo ou esperança?”, indaga Zélia.
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Quanto ao governo Bolsonaro, ela é enfática e não esconde o seu posicionamento. “Não, definitivamente, não (tem como ser otimista). Nada nesse governo nos dá vontade de acreditar, a não ser que esteja ganhando com ele, ou mergulhado em fundamentalismo e maldade”, diz a cantora, que recebe críticas por “misturar música e assuntos políticos”.
“Eu bloqueio haters e não discuto com gente que não quer pensar, só quer ofender e agredir. Não tenho tempo para elas. Quem me diz isso, de cara, não tem conversa. Sou, antes de mais nada, uma cidadã. Falo do assunto que eu quiser e como artista, mais ainda tenho o direito e, a meu ver, até o dever de me posicionar. Não sou colecionadora de seguidores, me segue quem gosta do meu trabalho e da minha cabeça. Sei mudar de opinião, quero aprender, sei pedir desculpas também quando é o caso. Acredito no diálogo e isso, antes de mais nada, é saber escutar”, reflete.
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“Abraços apertados”
Durante a pandemia, o setor cultural foi um dos mais atingidos e Zélia usou do seu ofício para manter a cabeça mais equilibrada e menos triste. “Produzir arte num momento onde a cultura vem sendo massacrada é resistência, certamente. Há mais de um ano ficou muito claro o quanto a arte nos salvou a todos”, reflete.
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“Todo artista planeja encontrar seu público. Nada substitui o palco, eu sempre estarei me preparando para voltar ao encontro, mas na atividade. Eu nunca parei em todos esses meses. Com toda angústia e todo luto, eu sigo”, garante.
E o que Zélia Duncan espera para o pós-pandemia? “Abraços apertados”.
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* Estagiário sob supervisão de Tábata Uchoa