Rio - Desde o grafite colorido que dá vida aos becos e viadutos até as batidas pulsantes da arte sonora, as favelas são verdadeiros centros de produção cultural que reacendem a identidade da comunidade e promovem a inclusão. A dança, o teatro e os passinhos também são formas de expressão que fazem a favela florescer e ganhar espaço.
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Para além de expandir a cultura da favela, as manifestações artísticas também são ferramentas para retratar o cotidiano das comunidades, um olhar de dentro para fora. Essa visão, no entanto, ao ultrapassar os muros das favelas, pode encontrar julgamentos e ser alvo de preconceitos. Esse foi o caso da artista Ana Júlia Theodoro, a Najur, criadora do vídeo exibido pela cantora Ludmilla durante show no Coachella, nos Estados Unidos (EUA), em abril deste ano. Ao ter a sua arte reproduzida em um vídeo com diversos cortes no palco, a artista afirmou, na época, que teve o seu trabalho tirado de contexto e sofreu acusações de intolerância religiosa com religiões de matriz africanas.
O músico Luan Corrêa, de 28 anos, mais conhecido como Mbé, é amigo da Najur e esteve ao lado dela quando o caso repercutiu na mídia. Para ele, o assunto é delicado, já que se trata de duas artistas negras no centro da discussão e que estão em momentos marcantes da sua carreira. "A Najur é uma documentarista da rua, do cotidiano, e o registro dela – que viralizou – estava nesse lugar. A internet é um lugar de formulação de opinião muito forte", diz.
Nascido e crescido na Rocinha, na Zona Sul do Rio, Mbé produz batidas de rap e faz colagens sonoras, que são gravações de campo onde a música e o som se misturam. Ele define o seu trabalho como uma arte ligada ao movimento negro periférico. "Eu coloco no meu trabalho a experiência de uma pessoa negra periférica na sociedade. As gravações de campo que eu uso são do continente africano, o discurso que coloco nesses sons são de pessoas negras. E isso fez com que essa arte fosse reproduzida em muitos outros lugares, dentro e fora do país".
Com pouco mais de dez anos de carreira, Mbé já tem duas apresentações em junho e julho, em Amsterdã, na Holanda, e em Portugal, respectivamente. Esse feito para ele simboliza uma grande conquista de poder ampliar a sua voz.
Manifestação por ministra negra no STF
O grafiteiro Airá Ocrespo também conseguiu fazer a sua arte ultrapassar as barreiras da favela de Olaria, na Zona Norte do Rio. O artista, também conhecido como Mc Grafiteiro, de 42 anos, viralizou em 2023 com um protesto artístico clamando por uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal (STF). Na obra, ele retrata como ela seria. O grafite com a frase "Nunca antes na história desse país" está na Rua do Lavradio, no Centro do Rio de Janeiro.
Segundo Airá, a obra desafia a legitimidade de determinadas instituições que moldam a opinião pública no cenário midiático, político e econômico brasileiro. Também questiona a permanência destas figuras como representantes dos brasileiros.
Ao DIA, o grafiteiro contou que iniciou a carreira alimentado pelo desejo de expressar genuinamente o que o morador da comunidade vive. Hoje, após anos de experiência, ele estimula que esse mesmo morador conte a sua própria história, a partir do seu olhar, sem se preocupar com julgamentos ou questões que possam se tornar polêmica por causa da política.
"Busco direcionar um discurso de 'conte a história do meu povo, que invoque minha ancestralidade, minha identidade étnica'. Os meus trabalhos dizem respeito à negritude. Hoje eu abordo temas que remetem a aspectos culturais e questões polêmicas de pessoas menos favorecidas". Para alimentar esse pensamento, Airá idealizou o Projeto Zona de Arte Urbana (ZAU), uma iniciativa que visa promover a arte e a educação por meio do grafite.
O projeto, liderado pelo grafiteiro, está transformando o emblemático Viaduto de Madureira em um "museu vivo" da cultura negra e urbana do Rio de Janeiro. Esta revitalização marca os 34 anos do local e tem como propósito contar a rica história da Black Music brasileira, tanto em sua parte externa quanto interna. Segundo o artista, a concepção artística dos grafites narra a história da música negra, do charme e do baile do viaduto, além de abordar aspectos da negritude urbana carioca.
Representatividade da mulher no funk
Com mais de sete milhões de visualizações em um único vídeo e procurada por grandes artistas como Anitta e Dennis DJ, a dançarina e coreógrafa Aline Maia vem quebrando tabus dentro do mundo do funk. Usando passos que resgatam o "funk das antigas" e escolhendo cenários que guardam a essência do ritmo deste estilo musical, Aline, no auge dos seus 33 anos, luta diariamente para vencer os preconceitos da idade, além da objetificação e sexualização da mulher da comunidade.
A artista cresceu em Jacarepaguá, na Zona Oeste, mas foi no Morro do Vidigal, na Zona Sul, que viu sua vida mudar. Aline é professora de dança e, no fim da pandemia, começou a publicar vídeos na internet para reencontrar o seu propósito de vida. "Na época estava na onda do TikTok e eu trouxe essa outra versão da dança nas redes sociais, como se eu quisesse me reencontrar. Começar pelo funk é muito significativo para mim, pois, desde pequena, eu via como o funk era criminalizado", reflete. Para esta fase, ela ressalta a importância do apoio das pessoas do "passinho", como por exemplo Pablinho Fantástico, Oz Crias e CELLY idd.
Com 354 mil seguidores no Instagram, Aline transformou a responsabilidade de representar a mulher no funk em um grande grupo de apoio feminino. "Eu entendo a responsabilidade que eu tenho em trazer essas pessoas para a dança. Hoje, eu sinto que tenho feito um movimento interessante e tenho recebido e dado muito apoio a mulheres da minha idade. Quando eu cheguei aos 30 anos foi um tabu para mim. Continuar com a dança após os 30 fez muitas pessoas me julgarem como uma mulher promíscua, imoral", diz. Ela também compartilha a luta contra a hipersexualização do corpo feminino. "Por conta do meu trabalho, os homens que eu me relaciono não conseguem separar o meu trabalho da minha vida particular, por exemplo".
Aline conta que o divisor de águas em sua vida foi um vídeo que gravou usando o short de lycra inspirado na marca Bad Boy (confira abaixo), que tem cinco milhões de visualizações. A roupa remete a uma veia nostálgica de pessoas nascidas nos anos 90. "Eu recebi desse vídeo mais comentários de identificação do que crítica. Li muitos comentários de mulheres sobre a ressignificação do funk, conscientização da história desse estilo musical. Infelizmente, os julgamentos vêm junto, julgam que o funk não é cultura e que não tem uma representatividade de fato".
Atualmente, a dançarina faz trabalhos com grandes artistas do cenário musical, promove atividades no Vidigal e também criou uma plataforma de aula online de dança que conta com mais de cinco mil mulheres espalhadas por todo o Brasil.
Veja alguns vídeos da dançarina que viralizaram nas redes sociais:
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