Por thiago.antunes
Rio - No aniversário de 25 anos do desfile que é considerado o maior da história da Sapucaí e um dos marcos do Carnaval brasileiro, o “Ratos e Urubus”, de Joãosinho Trinta, a Beija-Flor de Nilópolis atravessou o samba e terminou em sétimo lugar, ficando fora do Desfile das Campeãs após 22 anos.
Ainda hoje a direção da escola lambe as feridas. A cicatrização já aconteceu, mas o sétimo lugar segue entalado na garganta, e neste ano, a Beija-Flor voltará a falar sobre a África, tema que sempre defendeu com competência e entusiasmo.
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“A escola está sem dormir desde o resultado. Não que a gente merecesse o título, isso aí quem tem que reclamar é o Salgueiro. Mas as notas que nos foram dadas mostraram que havia má vontade ou má-fé. E a gente só vai tirar esse nó da garganta após a apuração. Ou com o título, ou se a gente perder roubado. Vamos fazer um grande Carnaval”, diz Laíla, diretor de Carnaval que há 55 anos participa dos festejos de Momo.
Parceiro de Joãosinho Trinta no Salgueiro e na Beija-Flor%2C Laíla foi quem criou o Cristo mendigo que marcou o desfile da escola em 1989Eduardo Naddar / Agência O Dia

O filme em homenagem a Joãosinho Trinta, em cartaz nos cinemas, não foi visto pelo carnavalesco, que viveu entre tapas e beijos com um dos gênios do Carnaval, mas que também era genioso e individualista. A ponto de ter escondido os feitos do próprio Laíla em 1989. O mais famoso dele, o Cristo mendigo, a grande marca de um desfile inesquecível.

“E quem colocou o João no Salgueiro fui eu. Está no filme? Não. Fui eu que dei o Carnaval para o João, quando ninguém queria pegar. Eu banquei. O Morro do Salgueiro sabe disso”, lembra o carnavalesco, que nasceu no Salgueiro e ali começou sua relação com o Carnaval.
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Laíla e Joãosinho fizeram as pazes pouco antes de sua morte, em 2011, quando voltaram a fazer uma dobradinha no enredo sobre São Luís do Maranhão, terra natal do Mestre João. “Ele olhou todo o projeto, parabenizou todos nós, choramos juntos. Nunca fui inimigo dele, só não aceitava a característica que ele tinha de esconder as pessoas. Mas retomamos a amizade”, diz.
Escola homenageou Boni e entrou vaiada na Sapucaí no ano passado%3A pior resultado deste séculoAndré Mourão / Agência O Dia

Falta só retomar a intimidade com as vitórias. E para isso, o escalado será Xangô, que virá imponente. No ano passado, Laíla havia dito que não falaria sobre os orixás porque o Salgueiro já havia abusado do tema em 2014. Mas mudou de ideia. “Eu disse que não ia falar, mas não disse em não mostrar (risos). Uma escola macumbeira como a Beija-Flor não pode falar em África e não saudar seus orixás. Xangô é o santo da Justiça, do “quem me deve, me paga”. Tá me entendendo?” finalizou, enigmático.

‘A Beija-Flor não é da Globo, é do povo de Nilópolis’
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Laíla admite que a escola nilopolitana vive uma relação de amor e ódio com quem assiste ao Carnaval. Ainda mais após o enredo do ano passado, uma homenagem a Boni, executivo de TV ligadíssimo à Rede Globo. E se revolta com quem insinua que a escola é favorecida pela emissora. “Não tem p. nenhuma de Rede Globo. A Beija-Flor é do povo de Nilópolis. De tanto falarem essa merda, a gente perdeu pontos no ano passado. Por preconceito”, defende-se.
Maior vencedora do Carnaval carioca desde a inauguração do Sambódromo, em 1984, a Beija-Flor tem sete títulos e dez vice-campeonatos. Laíla diz que a razão pela antipatia é parecida com a que acontece no futebol: quem ganha mais é mais odiado também.
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“Tem muita gente com inveja da Beija-Flor, ué. Mas quem conhece Carnaval sabe que aqui a gente trata a festa com a seriedade que ela merece. O trabalho é duro”, diz. Esta seriedade é tanta que qualquer um que chegar ao barracão entenderá por que o sétimo lugar ainda machuca: “A gente não gosta de perder mesmo, não”, completa.
Sem medo da polêmica com a ditadura
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Patrocinador do enredo de 2015, a Guiné Equatorial vive um regime ditatorial comandado por Teodoro Obiang. Mas Laíla e Fran Sérgio, que faz parte da comissão de Carnaval da escola, não fugiram da polêmica. “A gente não vai falar sobre o governo, mas sobre uma nação, sua cultura, seu povo. Não estamos falando de política. Não há uma única referência a isso no enredo”, disse Fran Sérgio, que visitou o país africano quatro vezes ano passado.
Laíla foi ainda mais duro. Disse que a Beija-Flor respeita a soberania das nações, diferentemente de muitos países que se dizem democráticos e vivem promovendo guerras e derrubando governos mundo afora. “Sem falar que há muito país onde há suposta liberdade e a roubalheira é desenfreada. É o que mais tem, não é? Todos têm seus problemas”, ponderou.
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