Grupo de ferreiros de Parintins. Na foto, da esquerda para a direita, Osleilson Souza, Valdemar Araújo, Nildo Paris, Romário da Silva e João Pedro Cleber Mendes / Agência O Dia

Rio - Quando uma estrutura se move em qualquer carro alegórico das escolas de samba do Rio, há, ali, o trabalho dos ferreiros de Parintins, no Amazonas. Todos os anos, um grupo de cerca de 60 pessoas desce do Norte direto para os barracões da Cidade do Samba para transformar em realidade as ideias dos carnavalescos. Como costumam dizer, eles dão 'vida' ao ferro, a partir de uma técnica desenvolvida há três décadas na disputa dos bois Caprichoso e Garantido. 

"Utilizamos cabos de aço, dobradiças e outras peças que a gente fabrica pra fazer as alegorias se movimentarem. É assim que um boneco, por exemplo, pisca o olho, movimenta um braço ou levanta uma perna. Ou mesmo que a águia da Portela se movimenta de um lado para o outro", diz Nildo Paris, que atualmente trabalha na Viradouro, Unidos de Padre Miguel e Porto da Pedra.
Nildo explica que a técnica foi criada pelos artistas plásticos Jair Mendes e Juarez Lima, figuras de destaque do Festival Folclórico de Parintins. A primeira leva de ferreiros do Norte veio para o Rio em 1998 para trabalhar no Salgueiro, que desfilou com o enredo 'Parintins, a Ilha do Boi-Bumbá'. Todos os carros foram projetados por Juarez, à exceção de um, que foi feito por Mário Borriello, o então carnavalesco do Salgueiro.

O maior impacto na época foi o carro "Lendas e mistérios da ilha", que tinha uma grande serpente que movimentava o corpo e a cabeça de um lado para o outro e abria a boca. O destaque da escola vinha acima da estrutura, e evoluía conforme o balanço da alegoria.

"A escola não levou o título, mas gabaritou nas alegorias. Foram seis carros com muito movimento. Foi uma revolução na época", lembra Nildo, que fez parte do grupo de 18 pessoas que veio ao Rio naquele ano para operar os carros e, desde então, retorna todos os anos ao Rio.

Neste carnaval, a equipe de Nildo é formada por Osleilson Souza, Valdemir Araújo, Erisson Guerreiro e João Pedro: todos formados no Festival Folclórico de Parintins. Osleilson conta que, apesar de os profissionais do Rio observarem e registrarem em foto e vídeo o trabalho que eles fazem nas alegorias, não conseguem executar.

"A gente faz um certo segredo também", brinca Osleilson: "Mas é tudo muito simples. Não há tecnologia, e sim muita criatividade. Lá em Parintins a gente aprendeu a fazer as coisas com materiais baratos e rústicos. E, pela necessidade, cada profissional é múltiplo. Um ferreiro lá é também escultor, pintor e conhece de revestimento. No Rio, cada um atua na sua técnica específica".

O trabalho começa a partir do projeto do carnavalesco. Em seguida, os ferreiros de Parintins produzem uma maquete para testar os movimentos. Com a alegoria aprovada, eles partem para a realização em escala maior, que vai para a Marquês de Sapucaí.

"Nós vamos encaixando uma peça na outra. E o resultado é que, mesmo pesando toneladas, a gente consegue fazer os movimentos de forma suave", diz Valdemir.

Além de criarem as estruturas dinâmicas, os ferreiros de Parintins também trabalham nos desfiles. Eles vão dentro dos carros, escondidos, mexendo as peças que conferem movimento às alegorias. E no momento certo.

"A gente se guia em determinada parte do samba para fazer os movimentos. Ou, quando o trabalho é mais complexo, há colegas que acionam botões e acendem luzes ou tocam buzinas dentro dos carros. Aí a gente fica sabendo a hora certa de executar cada movimento", explica Valdemir.

Do Rio para Parintins

Os ferreiros de Parintins chegam todos os anos para trabalhar nas escolas do Rio por volta do mês de agosto. Ficam até o fim do desfile das campeãs. Quando retornam, a tempo de trabalhar na festa do boi Garantido e Caprichoso, levam também alguma expertise do Rio.

Nos barracões da Cidade do Samba, perceberam que alguns movimentos poderiam ser feitos com motores, o que passou a ser empregado também em Parintins, assim como técnicas de iluminação e recursos de alegorias, como o tecido failet que, acoplado a uma ventoinha, reproduz fielmente a ideia de fogo.

"É um intercâmbio constante e muito rico entre Rio e Amazonas. As escolas daqui sempre inovam e isso nos ajuda lá também", diz Nildo.