Imagem de divulgação do enredo da Portela: mestre Nilo Sérgio encarna Milton NascimentoDivulgação
Mil tambores da Portela, despertaram àquele dia
Para a travessia, brilho cego de fé e paixão
Nada será longe, tudo será tão bom
Levam no corpo o mel do suor,
Levam nos olhos a dança da vida,
Carregam nas vozes, gratidão e amor
Carregam um sonho em cada andor
Deram o primeiro passo
Abriram o peito à força numa procura
Pediram a seus padroeiros: Proteção
Á Águia Altaneira: Direção
Dos baluartes receberam a benção
E dos seus ancestrais a bravura
Bordaram com a linha a rota de estrelas,
Vestida das letras e sonhos tão lindos
Estampado na alma um verso ou canção
Um samba no peito, um girassol na mão
Cantaram, cantaram e cantaram
2.Dobrando as esquinas, teve gente chegando
Baquetas rufavam e o povo cantando
Pó, poeira, ventania,
Chão de histórias, melodias, procissão.
Marias se enfeitam com as flores do dia,
O trem corre à margem da peregrinação
Mais gente chegando, sanfona, cantoria
Ecoam dos trilhos, as trilhas da vida
Vozes embargadas murmuravam no caminho
Coisas que ficaram muito tempo por dizer
Essa estranha mania de ter fé na vida
Reuniu um cortejo que sonhava em ver
Visto de cima eram muitos afluentes
Não paravam de chegar, de todo lugar
O povo abraçado, uma grande corrente
Inventaram um cais, se fizeram de mar
Enfeitaram jangadas para continuar
Faziam festa e se faziam carnaval
Sentiram os sons, foram contra o vento
Tocavam acordes, lembravam momentos
Seguiram a voz de Deus, Milton Nascimento
3. A tarde sorria para o cortejo.
A ao arrebol, todos reconheciam, a voz solar que ouviam:
“Pra quem quer me seguir, eu quero mais
tenho o caminho do que sempre quis”
Traziam as noites de chuva e as estrelas do sertão
Inventavam na sombra a nova cadência,
Rompiam fronteiras, caminhos abertos
A marcha do povo, da gente que é crente
Que é solo e semente, que é canto liberto
As vozes da terra, e o orgulho do lugar
Correnteza de gente que não parava de andar
Remavam por cima os ava-canoeiros,
O canto yanomami se juntava ao cortejo
Agora, unidos, venciam o medo
Acordes que afagam a terra, sólida ou não
Terra como ideia, território, nação
Terra que tem seus desejos guardados:
O cio, o parto, enfim, os filhos do chão
Terra-cultura-identidade
Essa que os tambores nunca esquecerão
Tinha sangue no couro dos que se uniam a procissão
Tocavam pros rituais de txai, pros rituais dos irmãos
Tocavam pros quilombos, onde a terra é a única opção
E todos cantavam, cada um a sua cantiga
Ouvindo de longe o sol trovador
Adubavam o solo com raça e vida
Das suas raízes: um novo andor
4. Conforme a noite caía, as velas se acendiam
E a cantoria esfuziante virou melodia constante
O tom de calmaria é também vigilante
Sorrisos se desenhavam no amargo do cansaço
Desafiando a escuridão a cada passo
Sussurravam harmonias doces de ouvir
Gritavam os nomes dos que não estavam ali
O breu esvaziava a esperança no amanhecer
Escondia essa gente e tudo o que podiam ser
Mas, resistia na boca da noite um gosto de
Sol Sonhavam com a alvorada, com a chegada, com o arrebol
E quem voou no pensamento, ficou
Choveu e ventou, nenhum estandarte baixou
Era a crença que o sol voltaria
Viria um tempo brilhante e mais uma vez cantaria:
Nada será como antes.
Foi então que aos poucos ele surgiu
E do andor dos novos tempos enfim emergiu
O sorriso de menino, escondido outrora
Na fé de um novo dia, o despertar de nova aurora
O calor do astro-rei foi banhando o rosto
De cada viajante, de sonho teimoso
Que busca justiça e que faz o país
O suor já pingava, semblante feliz
Caminharam e viveram com a alma de emoções
Agora podiam entoar as letras daquelas canções
Aquecidos pelo sol que vem depois do temporal
Cantaram semeando um sonho que já era real
5. Era um, era dois, era cem
Mil tambores e as vozes do além
era aquele mundaréu de gente chegando
para ver o Sol em seu trono posando
Já ecoava nos vales das Geraes
a felicidade na chegança, não paravam mais
Era cantoria para todo lado
Os Tambores de Minas soaram
Recebidos com cortejo de Reisado
Congadas, maracatus e festa do divino
Tambores vibravam para o Sol coroado
Toques de candombe, dos negros escravos
Oh Deus, Salve o Oratório
Oh Deus, Salve o Oratório
Onde o Sol Fez a Morada, oiá,
Ecoava em Três Pontas, revelou-se o lugar
Era ponto final, estrada natural
A romaria encontrava seu Deus magistral
Como se em seus ouvidos soprasse a voz de Oxalufã
E envolvido em seu branco manto
Os abraça com axé e encanto
Com a doçura serena de toda manhã
O santo preto do altar barroco
Recebeu a travessia, abençoou o seu povo
Tocaram os sinos para o senhor das estradas
o anjo negro da santa semana em sua morada
A Portela, com os que te amam, abraçou e sorriu
No altar, eis o Sol, e então a vitória
Agradeceram ao tempo, receberam a glória
Agradeceram a Milton Nascimento, por suas próprias histórias
É o meu modo de lhes dizer
Até a quarta-feira quando o sol retornar
Com cantos de alegria no ar
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