Nando Cunha, de 57 anos, atua há três décadas no teatro, cinema e televisãoDivulgação

Rio - Intérprete de personagens marcantes como o Pescoço da novela "Salve Jorge" (2012) e o Joel, de "Travessia" (2022), Nando Cunha, de 57 anos, vem conquistando, também, cada vez mais destaque no cinema, através de filmes como "Nosso Sonho" e "Mussum", em que viveu Grande Otelo, uma de suas maiores inspirações em 30 anos de carreira. Morador da Tijuca, na Zona Norte, o ator, que é apaixonado pelo Flamengo e por Carnaval, lamenta a falta de espaço para artistas negros na indústria do entretenimento e diz que espera por uma transformação. No bate-papo a seguir, revelamos os bastidores de uma repleta de conquistas, desafios e projetos futuros: "Não quero e não posso parar."


Como começou sua jornada como ator? Quais foram os primeiros desafios que enfrentou?

Comecei há cerca de 30 anos. Eu era um garoto extrovertido na escola, e todos diziam que eu deveria fazer teatro. É aquilo, quando você é engraçado, todos acham que você tem que fazer teatro, mas nem sempre a pessoa vai ter o dom de interpretar.

Quando fiz um curso técnico de publicidade, uma amiga de São Paulo me falou com brilhos nos olhos sobre teatro. Eu me apaixonei e quis entender de teatro para conversar com ela. O relacionamento não vingou, mas a paixão pelo teatro continuou. Fiz muitas peças para público sem dinheiro, e em 2007, me chamaram para testes na minha primeira novela, "Desejo Proibido", onde vivia o soldado Brasil. Não parei desde então, equilibrando com o teatro, minha verdadeira origem.

Ao longo da carreira, você interpretou uma variedade de personagens. Existe algum papel que seja particularmente memorável ou significativo?

O primeiro na TV sempre marca. O soldado Brasil em "Desejo Proibido". Estava com cerca de 30 anos, voando e ganhando prêmios no teatro. Isso me ajudou a estar preparado para esse personagem. Mas não tem como não falar do Pescoço, em “Salve Jorge”, por ter me projetado. Era um cara de comunidade, que faz com que as pessoas se identifiquem, por mais politicamente incorreto que seja, flertando com mulher, por exemplo.

Os filmes "O Novelo" e "Nosso Sonho", filme sobre Claudinho e Buchecha, também me marcaram em um lugar especial, pois queria provar que não era um ator de uma nota só. Esses filmes me permitiram mostrar a diversidade que posso oferecer, tanto na comédia quanto no drama.

Uma vez, estava andando em uma rua da Tijuca e uma pessoa me chamou de Pescoço, mas queria mesmo era falar sobre Claudinho e Buchecha. Disse que o fez chorar. Muito mais que um prêmio, é para o público que eu trabalho.

Recentemente, você fez filmes de sucesso, como "Nosso Sonho" e "Mussum". Neste último, como foi viver Grande Otelo?

Já tinha vivido Grande Otelo no teatro, em "Moleque Bamba", e depois na televisão, em "Dalva e Herivelto" (série da Globo), com Adriana Esteves e Fábio Assunção. Fazer no cinema foi especial, pois tenho uma relação afetiva com esse ator e sua história. Ele foi um ator extraordinário que morreu na pobreza total. Tinha apenas um apartamento e um Chevette velho.

O Grande Otelo é um monstro no teatro, televisão e marcou o cinema brasileiro, com "Macunaíma". Ele era uma referência muito grande, que viveu a Ditadura e todo o racismo da época. Mas não conseguiu avançar porque o sistema não deixou. Isso me faz refletir sobre a realidade atual, onde muitos atores negros enfrentam desafios semelhantes.

O personagem Joel, de sua última novela, repercutiu bastante. Como foi interpretá-lo?

Interpretar o Joel em "Travessia" foi interessante, pois entrei na produção após sete anos sem fazer novela. Enviei uma mensagem para a autora (Gloria Perez) contando minha história, e ela escreveu o personagem para mim.

Como consegue abordar a diversidade desses personagens, no drama e na comédia?

O ator precisa estar preparado para jogar qualquer jogo. Fazer comédia é difícil, requer timing e improviso. No drama, é necessário manter a profundidade em um ambiente acelerado, mesmo quando o personagem está calado. Os dois são difíceis, e fazer novelas, por exemplo, é desafiador, pois é necessário entregar profundidade em um curto período de tempo. Não é para qualquer um.

Como você se prepara para atuar? Tem algum método?

Não tenho um método específico de preparação. Eu não tive escola de teatro, aprendi nos palcos, com a vivência dos diretores e atores que trabalharam comigo. Depois fiz faculdade e alguns cursos, mas a vida profissional foi nos palcos

Na televisão é preciso acessar muita memória afetiva. No cinema, temos mais tempo para preparação, e trabalhei com um preparador de elenco em São Paulo que foi incrível, o Marcio Mehil, que é um mago. Faz você entrar em cena com o sentimento certo. Cada personagem exige uma abordagem diferente, mas na TV, é preciso encontrar a voz e o jeito rapidamente.

Vê algum avanço na questão da representatividade na TV?

Muito pouco. A maioria dos diretores e produtores de elenco, responsáveis por tomar as decisões, ainda são brancos, o que faz com que nós, atores negros, não sejamos a primeira escolha, a menos que escrevamos nossas histórias. Precisamos normalizar a presença negra com destaque na TV, como já ocorre em produções nos Estados Unidos, onde há filmes só com pessoas negras, tanto diretores e produtores, quanto autores e atores. Outra coisa é que sempre somos chamados ainda de “atores negros”, mas nós lutamos para sermos chamados somente de atores, ator e atriz comum.

Como é o reconhecimento do público?

Lembro que na minha primeira novela, eu estava na academia e uma mulher veio me falar que o meu personagem foi um alento para o pai, quando estava em casa se curando de uma doença. Isso me emocionou demais, pois quando a gente está trabalhando, a gente não pensa que vai atingir uma pessoa assim., você pensa em fazer seu trabalho bem.

Na época do Pescoço, vi que muita gente que nunca tinha visto novela na vida - homens, principalmente - me falavam que viam novelas por minha causa. Eu nunca tive um fã-clube, eu tive admiradores do meu trabalho. Quando você faz bem, esse retorno vem com facilidade.

Você foi passista do Salgueiro no último desfile. Como é a sua relação com o Carnaval do Rio?

Eu amo Carnaval! Eu gosto de estar no camarote, assistindo as escolas e depois comentando como estavam as fantasias, bateria, intérprete… Também gosto de desfilar. Fui passista da Mocidade nos anos 1990 com meus irmãos e primos, e também da ala de passistas da Vila Isabel.

A primeira vez que desfilei no Salgueiro foi para viver o palhaço Benjamim, o primeiro palhaço negro. Minha relação com a escola é antiga. Eu gosto por esse posicionamento de sempre falar da cultura preta dentro do enredo. A escola de samba é um lugar de fala para esses assuntos.

Neste ano, eu estava em São Paulo quando o presidente me chamou para vir do seu lado para apresentar a escola. Quando fui no ensaio, o coordenador da ala dos passistas falou: “Por que não coloca ele como passista? Samba muito! Mostrou isso no filme do Mussum”. Foi então que o presidente falou que tinha uma fantasia sobrando e perguntou o que eu preferiria. Eu respondi que só de estar desfilando na minha escola eu sou feliz.

Depois veio o convite da Alcione para desfilar num carro na Mangueira. Uma pena que o carro em que eu estava quebrou, mas eu me diverti muito. Foi lindo! Assisti ao desfile da Portela e chorei muito. Só entendeu quem era preto. Foi importante para mim e para todos os pretos que estavam ali. A gente se sente naquele samba enredo. Fiquei feliz de ter visto!

Você compartilha o cotidiano nas redes sociais. O que você gosta de fazer no tempo livre?

Eu gosto de passear, de ir em parques, em jogos no Maracanã com meu filho, à praia, ao teatro e ao cinema. Vou até sozinho. Gosto de ficar sozinho de vez em quando. E gosto muito de viajar para Penedo (Sul Fluminense), que é um lugar que ainda pretendo comprar uma casinha para me refugiar.

Também gosto de jogar bola. Às vezes vou no campo do Chico Buarque, no Recreio, para jogar com ele.

E o futuro? Quais são os projetos?

Tenho muitos projetos de filmes e peças, como mostrar a vida de Grande Otelo no cinema. Em janeiro terminei de gravar uma série em São Paulo, "Jogo Cruzado", para a Star Plus, com José Loreto e Carol Castro. Também estou prestes a estrear a primeira novela da Netflix, "Pedaço de Mim", com Juliana Paes.

Quero continuar fazendo televisão, teatro e cinema ao mesmo tempo, pagar minhas contas e explorar o futuro dos aplicativos na televisão. A TV aberta não vai acabar, mas os aplicativos são o futuro.