Rio - Sim: ficou ruim para o Guns N Roses depois do The Who. A aula de rock que a banda britânica, com mais de 50 anos nas costas, deu neste sábado no palco do Rock In Rio é para poucos. Ficou ruim, mas não ficou impossível: o Guns reuniu muitos fãs, animou a plateia com um show de mais de três horas e, pela primeira vez em um bom tempo, Axl Rose conseguiu manter a voz durante quase toda a apresentação. Que trouxe o vocalista reunido a dois integrantes da formação clássica (Slash na guitarra e Duff McKagan no baixo).
Axl foi simpático com a plateia: despediu-se do público usando um chapéu de cangaceiro, perguntou se a turma havia gostado do The Who (antes, o Who já havia anunciado que vinha por aí o show dos "amigos" do Guns N Roses e disse para a plateia se divertir e ser feliz) e, de fato, a ideia da banda, de fazer um show enorme, permite ao público encarar a apresentação do jeito que quiser.
Os momentos em que surgem músicas do disco 'Chinese Democracry', gravado por Axl sem ninguém da formação original, dão um descanso na turba - é hora de pegar uma cerveja e circular. O repertório permitiu lembrar de várias músicas boas do par de discos 'Use Your Illusion', de 1991: 'Coma', 'You Could Be Mine' e 'Civil War', além do hit 'November Rain', estavam lá. Acabou, à sua maneira, sendo uma aula de rock para quem acompanhava a banda no auge da MTV Brasil e para quem ia aos shows do grupo no começo dos anos 1990. Cada geração com seu grande clássico.
The Who é difícil até de colocar em palavras. Seja pela voz de Roger Daltrey - que dura o show todo e está bem mais potente que a de Steven Tyler, do Aerosmith, que tocou no mesmo palco dois dias antes -, seja pela simplicidade e pela musicalidade (e pelo gênio, por que não?) do guitarrista e compositor Pete Townshend.
Ou pelo fato do Who, indo muito além do rock, ter levado a música e suas possibilidades às útlimas consequências. Trechos das óperas-rock 'Tommy' (1969) e 'Quadrophenia' (1973) estavam lá para garantir que a experiência seria emocional e marcante para todos os que se sentiram tocados pelo Who na época certa. Mas havia muito mais.
Pete Townshend abriu o show com um "fuck, fuck, fuck, Rock In Rio" e prometeu que o público iria voltar para casa "em pedaços". Para quem se sentiu tocado por músicas como 'The Kids Are Alright', '5:15', 'Baba O'Riley', 'Behind Blue Eyes', era isso mesmo - hinos da incompreensão e do sentimento de inadequação, com Pete, autor de quase todo o repertório do grupo, sempre tentando enxergar além.
Townshend, em forma (só entrou errado em algumas músicas, mas ninguém reclamou ou reclamaria), fazia o gesto de "rodar o braço" para tocar. Roger Daltrey, mais contido, girava o microfone algumas vezes, mas deixava a comunicação com a plateia para o companheiro. O guitarrista, vendo a plateia lá de cima, brincava que não era justo o público estar tão apertado - fãs do grupo se espremiam lá na frente.
O Who cortou algumas músicas do repertório - 'The Seeker', que está no repertório do Guns e foi tocada pela banda às 4h, e 'Emminence Front' sumiram - mas em compensação o público carioca ganhou 'Bargain', a música preferida de Townshend do disco 'Who's Next', de 1971 (o próprio disse isso no palco). Showzão.
Abrindo o Palco Mundo, Titãs pareceram condensar num show de uma hora todos os protestos que já passaram por palco e plateia do festival. A banda nem precisaria puxar um corinho citando nominalmente algum político, já que tocaram 'Polícia', 'Aluga-se', de Raul Seixas (o verso "a Amazônia é o jardim do quintal" foi cantado pela plateia alguns decibéis a mais que o resto da canção), 'Lugar Nenhum', 'Desordem' (fechada, enfim, com "fora Temer" berrado pela plateia) e 'Vossa Excelência' (dedicada pela banda "à classe política brasileira"). As três músicas novas ('Me Estuprem', 'A Festa' e 'Doze Flores Amarelas') são dignas. Beto Lee, substituto de Paulo Miklos na banda (o ex-vocalista vinha tocando guitarra nos shows desde quando os Titãs passaram a ser um quinteto), segurou bem a onda nas palhetadas e nos solos. Grande show.
Incubus é tido como a grande surpresa da geração rap metal dos anos 1990 - tem quem diga que são eles a melhor banda da turma que inclui Linkin Park e Limp Bizkit. Mostraram técnica no Palco Mundo (no show que antecedeu o The Who), composições bacanas ('Megalomaniac', entre elas) e encontraram seu público, ainda que numa noite em que a galera queria mesmo era ver os shows de encerramento.
No Palco Sunset, destaque para a boa apresentação do Cidade Negra, acompanhado de Digital Dubs e Spok Frevo Orquestra, tocando músicas de Gilberto Gil. O que poderia ser um desencontro de grandes talentos no nível de Ney Matogrosso e Nação Zumbi acabou se revelando um excelente show que pede turnê pelo Brasil. E Karol Conká fez participação empoderada no show da banda colombiana Bomba Estéreo.