Natália Lara vai narrar os Jogos Olímpicos 2024 na GloboHelena Barreto/Globo

Rio - Se há poucos anos era praticamente impossível ver mulheres narrando futebol e outras modalidades esportivas na TV, a realidade agora é outra. Em ano de equidade entre atletas do sexo feminino e masculino nos Jogos Olímpicos 2024, que acontecem entre 26 de julho e 11 de agosto, em Paris, na França, elas ganham cada vez mais espaço e destaque também na cobertura. Natália Lara, 30 anos, é uma das mulheres que estarão na equipe da Globo - formada por narradoras, comentaristas, repórteres, apresentadoras, dentre outras funções.  
Pela primeira vez, a paulistana vai narrar as Olimpíadas na TV aberta em várias modalidades, algumas, ela garante, é avisada de surpresa, na véspera ou até mesmo há poucas horas. "Não faço ideia de quais modalidades vou narrar, geralmente as coisas saem um pouco na véspera, eu ainda não sei de nada. Para mim, um dos mais desafiadores é o basquete, por ter muitas especificidades e ser minucioso em alguns detalhes. O vôlei é o mais difícil de todos para narrar pelo fato de ser extremamente dinâmico. É um jogo rápido, não te dá muita margem para erro, você tem que ser muito preciso em todas as jogadas, ele tem que ser ritmado e é um esporte apaixonante, uma das modalidades mais populares do Brasil".  
Natália gosta de assistir e praticar esporte desde a infância e tem lembranças de ver Galvão Bueno - hoje seu colega de profissão - narrando a Fórmula 1, aos domingos, enquanto estava em casa com a família. "O Galvão é minha maior referência. Ele contou momentos muito marcantes e sempre esteve presente todo domingo narrando a Fórmula 1. Fui ter TV por assinatura mais velha, sempre fui pautada pela TV aberta", conta.
"De narração não tive referência feminina, tive jornalistas mulheres que sempre admirei: a Sandra Annenberg. Acho ela um espetáculo de apresentadora, de âncora. E passei a conhecer muito a história da Fátima Bernardes também, ela é espetacular, uma pessoa que consegue transitar por diferentes gêneros. Na narração, tive que pegar as referências dos homens e transferir", complementa.
Sonho de ser jogadora
Antes de cursar Rádio e TV, ela sempre se interessou por profissões ligadas a fala, como dublagem, games e música, e chegou a fazer aulas de teatro, já que seu sonho de jogar bola não pôde ser concretizado. "Quando criança eu tinha um sonho grande de ser jogadora de futebol, mas o joelho não deixava. Eu jogava no colégio com os meninos porque as meninas não gostavam. Elas queriam jogar vôlei, handebol e eu detestava. Tanto que eu amo narrar vôlei, mas não sei fazer uma manchete", comenta.
Natália explica que sempre teve liberdade para escolher suas brincadeiras na infância pela família e nunca teve distinção de gêneros de brinquedos, o que lhe possibilitou fazer suas escolhas e gostos com mais facilidade.
"Considero ter muita sorte de ter a família que tenho. Felizmente, meus pais me apoiaram muito, sempre ganhei bola, carrinhos e eles me incentivavam. A gente foi uma família mais humilde, morava ali na zona leste de São Paulo, num bairro periférico, não tinha a parte financeira, por isso não consegui jogar futebol porque as escolinhas eram caras".
Trajetória
Em 2018, ela foi finalista do projeto "Narra Quem Sabe", do Fox Sports. No mesmo ano, narrou o Pan-Americano Universitário de 2018, no canal da CBDU, e foi a primeira voz feminina a narrar a final do Paulistão. Pela CBF, narrou o heptacampeonato da seleção brasileira feminina na Copa América (CBF) e participou das narrações do Campeonato Paulista Feminino.

Teve passagens pela TV Cultura e pelo serviço de streaming de esportes DAZN. Em março de 2021, Natália foi anunciada como a nova narradora dos canais da Disney. Estreou em março na transmissão entre Lyon e Sochaux no Fox Sports, pela Copa da França, ao lado de Mauro Naves. Pela ESPN Brasil, ela foi a primeira mulher a narrar um jogo da NBA e se destacou na narração entre Dallas Mavericks e Memphis Grizzlies. Dois meses depois, foi contratada pelo grupo Globo, em maio de 2021, onde narrou várias modalidades.
"Fiz futebol e algumas outras modalidades, mas as Olimpíadas na TV aberta é a primeira vez. É uma sensação mista, tem a autoconfiança de saber que estou muito pronta por ter me preparado e porque eu já transitava por outras modalidades, eu gosto muito e acredito muito no narrador polivalente, que consiga fazer várias modalidades, e eu gosto dessa minha flexibilidade. Tóquio já foi um grande aprendizado e, de 2021 para cá, estou sempre fazendo modalidades diferentes", diz ela, confiante de que as mulheres vão garantir muitas medalhas para o Brasil.
"Essa é a nossa olimpíada da mesma quantidade de mulheres e a nossa delegação mais do que homens. Inclusive, até pensando em possibilidade de medalhas, a gente vê as nossas previsões, estamos muito pautadas nas nossas mulheres", diz.

"Para mim, um dos grandes confrontos dessas Olimpíadas vai ser quem vai ganhar essa medalha na ginástica, ou Rebeca ou Simone Biles. A gente tem a Jade (Barbosa) que é sensacional, também acredito que ela com a Flavinha (Saraiva) e nossas meninas vão brigar por uma medalha de grupo. A Raissa nem precisa falar, a Ana Sátila vai na canoagem brigar por medalha também, acredito que vai ser o ano das mulheres brasileiras e estou muito empolgada", completa.
Para a narradora, é emocionante poder contar essas histórias, direto de Paris, numa televisão aberta e para o Brasil inteiro. "De uma forma que elas fiquem de fácil entendimento e que as pessoas se familiarizem, se sintam partes dessas modalidades. É um desafio se aproximar, e estou tentando traçar as minhas estratégias para a galera poder se apaixonar junto".
Sem medo dos haters
Como todo profissional que se expõe publicamente, Natália não está livre dos ataques de ódio de haters e até de críticas machistas. Se, antes, isso era um assunto que a abalava, hoje em dia ela prefere não ler nada que a possa afetar emocionalmente.
"Mudei a minha relação com esses tipos de comentários em redes sociais. Hoje em dia tenho uma visão completamente diferente. No começo me abalava mais, agora, quando acaba a transmissão, não olho. Vou olhar no dia seguinte. Tenho tentado ressignificar comigo mesma que tem muito mais gente que gosta e que estou impactando muito mais positivamente do que negativamente", analisa.
A importância do seu trabalho e das mulheres que trabalham na mesma função que ela ou as comentaristas, repórteres, segundo ela, é muito maior para se preocupar com isso. A narradora conta que recebeu orientação dos chefes da Globo de não dar importância para esses tipos de comentários negativos.

"Já me abalei, já fiquei mal, mas também sinto que da parte da nossa chefia isso é uma recomendação deles, que cada vez mais a gente se importe menos com isso, não leia. Foi até um pedido que me fizeram: Jogos Olímpicos, não olha. No final das contas, o que está valendo de fato é o quanto a gente está impactando positivamente, quantas histórias bem contadas a gente está contando".
E se hoje ela vivencia a realização de narrar as Olimpíadas na TV Globo para milhões de brasileiros, boa parte disso é porque não deu ouvidos a comentários pessimistas quando decidiu seguir na carreira de narradora.

"O meu sonho sempre foi a Globo, então é uma realização. Muita gente tem esse sonho pelo canhão de visibilidade. Na minha trajetória, em vários momentos, já escutei coisas do tipo 'esse mercado é muito difícil de entrar, de uma mulher se estabilizar, você sabe que vai ter muito preconceito'. De vez em quando, escuto as pessoas falando do meu tom de voz, eu sou uma mulher de voz grave. Acho que a construção sendo sólida, e você fazendo com muita dedicação, é o que tem me dado resultados positivos na minha carreira", conclui.