Autora de 'Predestinados', Amanda Orlando fala sobre a literatura de terror: 'Deixou de ser gênero de nicho'
Escritora está trabalhando no segundo volume da saga dos Manfredi: 'Predestinados trata de temas humanos universais, como a luta pelo poder, os elos que unem uma família e até onde se é capaz de ir para defender aqueles a quem amamos'
Amanda Orlando é a autora de ’Predestinados’ - Divulgação
Amanda Orlando é a autora de ’Predestinados’Divulgação
Rio - Amante de sagas familiares, horror e ficção histórica, Amanda Orlando conseguiu juntar as três paixões em seu romance de estreia, “Predestinados”, que saiu pela editora Globo Livros. Ambientada na Itália do século XVII, a obra conta com uma intrigante trama política, personagens sombrios, muitas paixões, batalhas, e jogos de poder.
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O clã Manfredi é uma família temida e respeitada pela nobreza e pelo Vaticano. Esse poder deriva de um grande segredo: seus integrantes têm a capacidade de se comunicar com os mortos e, através de rituais, conseguem até fazê-los seguirem suas ordens. Quando Luciano, filho mais novo do patriarca dos Manfredi, cumpre uma profecia e se torna o mais poderoso Predestinado, nome dado aos que interagem com os mortos, o destino da família fica ameaçado, já que a sede de poder leva os Manfredi a ultrapassar certos limites.
Amanda conta que a inspiração para “Predestinados” surgiu após fazer a releitura do conto “A Queda da Casa de Usher”, de Edgar Allan Poe. “Eu sou obcecada por sagas familiares, desde ‘Cem anos de solidão’ e ‘A casa dos espíritos’, até ‘A hora das bruxas’, por isso, sempre achei que, se algum dia escrevesse algo, seria a história de uma família. Há alguns anos, reli ‘A Queda da Casa de Usher’, meu conto preferido do Poe, e daí, surgiu em mim a fagulha da criação de uma dinastia sombria que lutava para sobreviver aos séculos. A partir desse lampejo, comecei a escrever sobre os personagens que mais tarde se tornaram os protagonistas de ‘Predestinados’”.
Foi só depois de criar o clã Manfredi que a autora decidiu onde a história se passaria. “Eu não fazia ideia do período histórico em que queria encaixá-los, estava apenas fascinada por aquelas pessoas que eu tinha criado e queria escrever sobre elas. Só quando comecei a compor a trama propriamente dita, me deparei com o dilema de onde situar essa gente. A resposta, porém, veio depressa: não havia melhor época nem cenário para iniciar a saga dos Manfredi do que a Itália pós-renascentista, quando dinastias até então extremamente poderosas como os Médici, Farnese, Orsini e d’Este lutavam para manter sua hegemonia em um tempo de mudanças profundas trazidas pelas Grandes Navegações, a Reforma Protestante, o endurecimento da Inquisição e, mais tarde, a Revolução Francesa”.
O trabalho de pesquisa para “Predestinados” foi árduo, mas valeu a pena. Os detalhes são tantos que o leitor poderia até se questionar se os Manfredi realmente existiram. “Eu tentei me ater ao máximo não só aos fatos e personagens históricos desse período, como a minúcias da vida privada que deram mais cor à narrativa, como as relações familiares, a tensão entre servos e senhores, as refeições, os partos, os bastidores da Igreja, etc. Então, assim que decidi ambientar a minha trama no século XVII, li tudo que caiu em minhas mãos sobre o período”, explica a autora.
“O que foi mais trabalhoso, porém, foram as descrições de batalhas e a política intrincada do norte da Itália no meu recorte temporal, em meio à Guerra dos Cem Anos. De forma que o acesso a fontes foi difícil e tive que contar com a ajuda de amigos historiadores, que forneceram materiais de seus acervos pessoais e indicaram fontes documentais digitalizadas. E, claro, sempre havia aquelas dúvidas históricas que surgiam durante o processo de escrita e que me faziam retornar muitas vezes por semanas ao estágio de pesquisa. Contudo, não achei o processo de escrita em si difícil, pois, independentemente da época, ‘Predestinados’ trata de temas humanos universais, como a luta pelo poder, os elos que unem uma família e até onde se é capaz de ir para defender aqueles a quem amamos”, completa.
Referências
Amanda conta que sempre teve predileção pelos filmes e livros clássicos de horror e, como não poderia deixar de ser, esses elementos estão presentes em sua obra, mesmo que indiretamente. "O horror sempre foi o meu gênero preferido desde que me entendo por gente. Quando eu era criança, passava madrugadas escondida assistindo aos filmes clássicos da Hammer na TV e sempre quando eu escolhia um livro, os que primeiro atraíam a minha atenção eram aqueles sobre vampiros, fantasmas, bruxas e afins", diz a autora, que cita alguns.
"A lista é longa, mas, para escolher apenas alguns, fico, na literatura, com 'Frankenstein', da Mary Shelley, e 'Contos do grotesco e do arabesco', do Poe. Já no cinema, 'Fome de viver', do Tony Scott; 'O bebê de Rosemary', do Polanski; e 'Amantes eternos', do Jim Jarmusch".
Assim como seus autores favoritos, Amanda mostra em "Predestinados" que o terror, muitas vezes, está nos vícios e ambições humanos. "Poe, Mary Shelley e a Anne Rice humanizaram seus monstros, algo que tentei fazer com meus personagens, que, a meus olhos, são malditos exatamente por serem humanos em demasia", explica.
"Outras influências que preciso citar são o Mario Puzo, que soube criar famílias criminosas como ninguém, e a Donna Tartt, minha autora preferida, que não escreve terror, mas criou histórias com um talento magistral, que me assombram desde que eu era adolescente e li seu primeiro livro, 'A história secreta".
Crescimento do terror
“Predestinados” foi o responsável por inaugurar a literatura de terror na editora Globo Livros. Amanda Orlando espera que este seja o pontapé inicial para que surjam novas oportunidades para mais autores do gênero. “Não vejo como uma responsabilidade absolutamente (ser a primeira autora de terror publicada pela editora), mas sim como uma oportunidade que me deixa muito honrada de abrir portas para outros autores do gênero e ajudar a mostrar que há muito tempo o terror deixou de ser um gênero de nicho, com uma gama considerável de leitores para todas as suas variadas vertentes”.
A autora comemora o bom momento não só para o gênero, mas para o mercado editorial como um todo. “Estamos vivendo um momento excelente para a ficção. Ficcionistas nacionais como a Carla Madeira, o Itamar Viera Junior, e o Jeferson Tenório são presenças constantes nas listas dos mais vendidos e isso é algo a ser comemorado”, inicia.
“Falando de literatura de terror, lá nos idos do início dos anos 2000, o André Vianco furou a bolha com ‘Os sete’, um divisor de águas, que abriu espaço para outros autores nacionais do gênero, mesmo aqueles que possuem um estilo completamente diferente do dele. Agora, 20 anos depois, estamos vendo uma retomada do interesse dos leitores e das grandes editoras pelo gênero, um fenômeno que deve muito ao excelente trabalho da Darkside, editora que mostrou de uma vez por todas que o horror nacional tem um imenso potencial comercial”, continua.
“Tenho muito orgulho de fazer parte dessa nova geração do horror brasileiro e espero que a gente pavimente mais um trechinho dessa estrada que, por mais tortuosa e sombria que seja, tenho certeza de que ainda vai revelar muitos autores de qualidade para o cenário literário do nosso país”, completa.
No entanto, para Amanda, ainda há um longo caminho a percorrer quando o assunto é a crítica especializada. “Preciso ressaltar que a maior parte da repercussão ao redor de ‘Predestinados’ veio dos blogueiros, influenciadores e leitores fiéis de terror, que compartilharam suas impressões sobre a obra nas redes sociais. Eu devo muito, mas muito mesmo a essa galera. Enquanto isso, a crítica literária, como costuma fazer não só com obras de terror, sci-fi e de ficção especulativa, mas também com tudo que soe mais comercial e tenha adesão do grande público, ignorou solenemente ‘Predestinados’, o que, sinceramente, não é nenhuma surpresa”.
Continuação
Os fãs de “Predestinados” já podem comemorar. A saga foi concebida para ter quatro volumes e Amanda já está trabalhando na continuação da história dos Manfredi. “No momento, estou trabalhando no segundo volume de 'Predestinados', que foi concebido para ser uma saga em quatro volumes, de forma que ainda tenho muito trabalho com os Manfredi pela frente. Estou muito entranhada nas tramas dessa família maldita para pensar em escrever alguma outra coisa, mas, um dia, penso em cumprir uma promessa que eu fiz para a minha mãe e escrever a história da minha própria família — que já rendeu algumas crônicas publicadas nas minhas redes sociais e que o pessoal costuma gostar, mas que, por enquanto, são escritas de forma esporádica e sem maiores pretensões”.
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