Tatiane Feiticeira, vice-presidente da Escola de Samba Grande RioReprodução
Eu costumo dizer que a dificuldade para algumas pessoas faz a busca por um futuro melhor. Minha família passou por dificuldades. Éramos pobres, ainda menina eu ficava em casa cuidando da minha irmã mais nova para os meus pais trabalharem. Mas sempre quis mudar de vida e tinha vontade de ser dançarina. Assistia vários concursos na TV e ficava dançando em casa. Coincidentemente, eu tinha uma tia que desfilava pela Grande Rio e ela me levou para lá. Meu pai era muito protetor, mas minha tia insistiu e conseguiu a permissão dele para me levar para o carnaval. Entrei na ala das baianinhas, mas logo o Jayder, nosso presidente de honra, me notou e me colocou na ala de passistas. Fiquei ali por muitos anos, viajei para fora do país com a escola, é uma experiência incrível.
A correria é muito grande, passo muito tempo longe de casa. Mas quando posso, gosto de cozinhar para os meus amigos e minha família. Todo final de semana tem uma rabada, um mocotó (risos). Adoramos essa confraternização. Procuro nesses momentos me doar ao máximo para eles. Me emociono quando falo sobre isso. As pessoas acham que a vida de quem trabalha com o carnaval é fácil. Mas não é. Meus filhos têm 10 anos o menino e 1 ano a menina. Não vi muitas coisas do crescimento dele por conta do trabalho, eu só amamentei ele um mês e depois tive que voltar a trabalhar. A gente perde muitas coisas. Minha mãe cuidava dele e ele chamava ela de mãe. Ela faleceu e hoje tenho outra pessoa para me ajudar com as crianças. Mas Deus sabe de toda a nossa luta. Busco sempre dar o melhor para eles. Dar a eles o que não tive quando era pequena.
Minha tia me levou para a escola e eu me apaixonei. A Grande Rio hoje é a minha família. Tenho um amor muito grande pela escola. Eles me acolheram, me ajudaram. Tive o privilégio de ser musa, de ser rainha das passistas. Tenho muita gratidão pelo Jayder Soares, que me deu esta oportunidade. Fui nomeada no cargo que ocupo hoje após a morte do antigo vice-presidente. Foi feita uma votação e eu não acreditei quando descobri que foi por unanimidade.
Ser mulher é muito complicado por vários motivos. E no mundo do samba é ainda mais difícil, por causa do machismo que envolve esse meio. Mas eu não me deixo abalar e isso me dá ainda mais força, para mostrar que eu sou capaz. Acho que esse deveria ser o pensamento de todas as mulheres. Todas precisam se reconhecer como fortes. Estou nesse meio há 25 anos, ajudo todos, dou conselhos e estou sempre disposta a ajudar. Esse carinho alimenta e inspira a pessoa a fazer o seu melhor. Estar na liderança é isso. É um desafio ser mulher no carnaval, mas é prazeroso e gratificante.
A mulher está ocupando vários espaços onde antes não era bem-vinda. Não só no carnaval, mas em várias áreas. E a mulher faz a diferença em qualquer papel, por sua delicadeza, pela dedicação. Uma mulher se doa mais, se entrega mais, quer mais perfeição. Cada vez mais, estamos fazendo bonito e as portas estão se abrindo. Temos muito exemplos de mulheres fortes no carnaval e no mercado de trabalho.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.