O PL prevê um prazo de 18 meses de estabilidade aos funcionários após a venda da estatalMarcelo Camargo/Agência Brasil

Nesta quinta-feira, 5, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base para a privatização dos Correios. Enviado pelo poder Executivo no início deste ano, o PL 591/2021 prevê atualmente a desestatização de 100% da Empresa Brasileira de Correios de Telégrafos (ECT) - hoje sob controle integral da União. A decisão, no entanto, tem gerado divergências entre especialistas, que questionam a eficácia ou, até mesmo, a necessidade do projeto, tendo em vista a atuação da companhia. No último ano, por exemplo, a estatal teve o maior desempenho da década e, impulsionada pelo e-commerce na pandemia, apresentou um lucro líquido de R$ 1,53 bilhão.
Para a advogada do Fischgold Benevides Advogados e assessora jurídica da Frente Servir Brasil, Susana Botár, há uma grande possibilidade de aumento de taxas por conta da mudança na estrutura da companhia, já que, a partir da lógica de mercado, o capital se torna uma prioridade.

“O que a gente pode ver, como consequência da privatização, é o pagamento da conta da margem de lucro. Os Correios não tem objetivo de ter lucro, o que muda a partir de uma lógica privada. Então, além da operação comum, tem que haver também essa margem, por isso há, sim, uma expectativa de que isso venha a aumentar tarifas”, explica a advogada.

Outro ponto em relação ao aumento de tarifa é a atual carga tributária paga pela companhia. Segundo a advogada, é provável que haja a perda da isenção de tributos da companhia após a perda de controle da União, onerando os custos da companhia.

“Com a privatização, a empresa perderia essa imunidade tributária, porque é uma empresa privada que aufere lucros, e ela passaria a ter que pagar esses impostos. O pagamento desses impostos certamente será refletido, de certo modo, na cobrança dessas tarifas. Qualquer tipo de benefício fiscal vai depender de uma lei complementar, para eventualmente dar algum tipo de isenção”, afirma Susana.

Em relação a presença dos Correios em território nacional, outra questão é a capilaridade atual da estatal. Com uma lógica pautada na prestação de serviços, a ETC chega em diversos lugares dentro do país que, na lógica de mercado, não são lucrativos - ou, demandam uma cobrança maior pela entrega.

“Há o temor de que haja prejuízo na garantia da chegada dos Correios para o Brasil inteiro. O que eles chamam de ‘eficiência’, pode ser deixar de operar em um lugar que não seja tão interessante. Ou não necessariamente deixar de operar, mas reduzir a operação”, afirma.

Em pronunciamento na última segunda-feira, dia 2, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, defendeu o projeto de privatização, alegando que “somente assim, os Correios poderão manter a universalização dos serviços postais, que significa estar presente em todos recantos do país".

Por que privatizar?

Para além das questões acerca da constitucionalidade do projeto, os especialistas têm chamado atenção para os riscos da proposta, que ainda pode sofrer diversas alterações até atingir uma aprovação futura. No momento, o texto está em pauta na Câmara e, após isso, ele ainda deve passar pelo Senado.

A primeira questão levantada por especialistas da área é em relação a necessidade do projeto. Dados levantados em auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2019 também trazem aspectos positivos com o Índice de Entrega no Prazo (IEP). Em 2015, esse indicador alcançou cerca de 87%. Em 2019, o IEP alcançou o seu valor mais expressivo: mais de 97%.

Para Caetano Penna, professor adjunto do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Centro para Desafios Globais da Universidade de Utrecht, a questão principal não é se deve-se, ou não, privatizar uma empresa estatal, e sim como isso será feito.

“Eu acredito que os Correios brasileiros têm uma função pública, e prestam um serviço razoável, que tem sim de melhorar, mas não acho que privatizar é a bala de prata que vai desempenhar esse papel. Seria necessário vontade política para melhorar uma empresa estatal”, diz o economista.

Outro ponto levantado por Caetano é a constante demanda da opinião pública e do setor econômico por uma diminuição da presença do Estado, o que não significa, na prática, contribuir com o desenvolvimento do país.

“No Brasil, vende-se a ideia de que é o mercado livre que levará ao desenvolvimento - e alguns acham que será o estado sozinho que o fará. Na verdade, o desenvolvimento requer a sinergia entre estado e mercado, que contribuem para a construção de uma visão de longo prazo para o país. Essa oposição entre setor público e privado, entre estado e mercado, é tóxica para o Brasil”, afirma.
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Projeto de Lei 
Atualmente, a ETC atua em basicamente duas frentes de entrega: postal (cartas, cartões postais e correspondência agrupada) e de encomendas, sendo a primeira de monopólio do Estado. A proposta do governo para a desestatização prevê o fim desse monopólio postal e a venda da estatal, que passaria a atuar sob o regime de competição de mercado.

Desde a apresentação, o Projeto de Lei (PL) já sofreu alterações durante o processo de tramitação, tendo sido a última, inclusive, publicada nesta quarta-feira, 4. A mudança em questão diz respeito a um dos pontos mais importantes do projeto: a forma de implementação. No texto original enviado ao plenário, a proposta previa a transformação da estatal em uma sociedade de economia mista, na qual a União ainda manteria influência sobre questões de interesse público.
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O parecer apresentado pelo relator da proposta, deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), revogou esse ponto, indicando que “que a desestatização da empresa é a alternativa que melhor satisfaz os requisitos técnicos, econômicos e jurídico-regulatórios para maximizar o valor gerado para as diferentes partes interessadas”.

Segundo o texto do projeto, também há um prazo de no mínimo cinco anos para que o controle das atividades de recebimento, transporte e entrega de carta, cartão postal, telegrama e correspondência agrupada saiam do monopólio dos Correios. Nesse período, essas atividades serão realizadas pela iniciativa privada, sob um regime de concessão do estado, e regulamentadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Além disso, em relação aos quase 100 mil funcionários da ETC, o PL prevê um prazo de 18 meses de estabilidade após a venda da estatal, vedando a dispensa sem justa causa nesse período. Segundo o texto, também será ofertado um plano de demissão voluntária, com um período de adesão de 180 dias contados da desestatização.

Em relação a esse trecho do projeto, no início do mês de julho, foi divulgado um parecer dado pelo procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, em posição favorável a uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Associação dos Profissionais dos Correios (ADCap).
A ação foi movida com base na Constituição Federal, que prevê, no Art. 21 a manutenção do serviço postal e do correio aéreo nacional pela União. Segundo o parecer divulgado, O STF precisaria barrar o leilão total da empresa "a fim de retirar da força normativa do dispositivo legal a autorização de desestatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, apenas na parte em que ela executa os serviços postais e o correio aéreo nacional”.
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*Estagiária sob supervisão de Marina Cardoso