A nova linha de crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada do setor privado já está disponível. O programa foi lançado pelo governo federal com o objetivo de oferecer opções mais vantajosas de empréstimos, com juros mais baixos. De acordo com uma pesquisa da fintech meutudo, cerca de 40% dos trabalhadores ainda não sabem como acessar a modalidade. Por isso, O DIA reuniu as principais informações sobre o programa e ouviu especialistas sobre o tema.
Batizada de "Crédito do Trabalhador", a modalidade pode ser contratada usando até 10% do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) como garantia. Também pode usar 100% da multa rescisória na demissão sem justa causa (que é de 40% do valor do saldo).
Segundo o Ministério da Fazenda, com a medida, cerca de 47 milhões de pessoas serão beneficiadas pelo programa, que abrange empregados CLT em geral, incluindo trabalhadores domésticos, rurais e contratados por microempreendedores individuais (MEIs), desde que formalizados.
A medida provisória que criou o novo empréstimo prevê um mecanismo para estimular a troca de créditos mais caros pelo novo. Nos primeiros 120 dias de oferta, os trabalhadores que tenham consignado do modelo antigo ou crédito pessoal em aberto só poderão tomar a nova linha para quitar as anteriores.
Do ponto de vista do governo, a medida vai baratear o crédito e estimular a economia com queda na taxa de juros. Especialistas, contudo, alertam para a possibilidade de maior endividamento.
De acordo com Joyce Araújo da Silva, especialista em gestão tributária na consultoria empresarial Souzamaas, a preocupação não é nova e já era um ponto de atenção para outra parcela da população, que possuía direito ao consignado, como beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), aposentados e servidores públicos.
"O trabalhador não pode esquecer que a contratação de um consignado diminui diretamente a sua renda, e que, na prática, a contratação de novos empréstimos para suprir um problema financeiro, pode acarretar um empobrecimento gradual", afirmou.
Joyce Araújo da Silva, especialista em gestão tributária Reprodução/arquivo pessoal
Para Silva, os efeitos negativos do programa podem vir a médio ou longo prazo, se não houver planejamento e educação financeira suficientes para que as parcelas não comprometam excessivamente a renda.
"Como as parcelas são descontadas diretamente do salário, o trabalhador pode ter dificuldade em se planejar para arcar com outras despesas essenciais, o que pode acarretar ao acúmulo de dívidas não cobertas pela ideia inicial do empréstimo", ressaltou.
Com as garantias do FGTS atreladas ao consignado, o governo ainda prevê que a taxa de juros caia cerca de 40%, quase pela metade.
Em dezembro, a taxa média de juros cobrada no consignado do setor privado foi de 2,89% ao mês, enquanto que a taxa média dos servidores públicos ficou em 1,8% ao mês, e, dos aposentados do INSS, em 1,66% ao mês.
"A medida pode ter efeito positivo ao reduzir o custo do crédito e facilitar o acesso ao empréstimo, mas pode ser negativa se houver aumento do endividamento e da inadimplência devido à falta de planejamento financeiro", também ressaltou Luciano Bravo, Head de Investimentos no Brasil da Savel.
Para Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a modalidade deve atrair um grande número de interessados.
"Vislumbramos no longo prazo a contratação de crédito mais saudável pelos trabalhadores, em termos de taxa e prazo, assim como a maior oferta de um produto também saudável para os balanços das instituições financeiras", disse.
"Para as instituições financeiras, o principal avanço é contar com um processo unificado e centralizado de gestão da consignação. Esse é um dos principais entraves da operação que conhecemos atualmente e será eliminado nesse novo produto. Os convênios com as empresas, assim como os processos de trâmites dos valores a serem amortizados nas operações de crédito, serão uniformizados e centralizados, o que traz maior apetite por parte das instituições", acrescentou.
Segundo dados da Febraban, a estimativa é que, em até quatro anos, cerca de 19 milhões de celetistas optem pela consignação dos salários, o que pode representar mais de R$ 120 bilhões em empréstimos contratados.
Atualmente, o consignado do setor privado conta com cerca de 4,4 milhões de operações contratadas, somando mais de R$ 40,4 bilhões em recursos. É bem inferior aos mais de R$ 600 bilhões disponíveis a servidores públicos e aposentados e pensionistas do INSS.
O presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Antonio Neto, afirma que modalidade é um "acerto importante do governo, mas que há ajustes e correções que podem ser feitos no Congresso Nacional, como por exemplo, estipular um teto".
"[A modalidade] melhora o atual modelo de consignado na iniciativa privada que hoje é sujeito a boa vontade das empresas e dos convênios com os bancos para um modelo de ampla concorrência, importante garantir a participação das fintechs e cooperativas de crédito", disse em nota.
"(...) A portabilidade de um crédito pessoal para um consignado vai desafogar milhões de brasileiros que estão na selvageria do crédito bancário", acrescentou.
A funcionária doméstica Cleidimara Almeida, de 54 anos, conta que precisou contratar um empréstimo para quitar uma dívida na faculdade de direito da filha. Mas que, por falta de planejamento, acabou atrasando as parcelas do crédito. Com a nova modalidade, ela pretende resolver a dívida do empréstimo.
"Os juros são sempre um problema para quem trabalha e ganha pouco. Estão prometendo que dessa teremos opções melhores, vamos ver. Estou na esperança de pagar o outro empréstimo e conseguir honrar com essa nova dívida que terei que fazer", afirmou. "Nada como ter o nosso nome limpo e dinheiro no bolso", acrescentou.
Como acessar o empréstimo
Os trabalhadores podem utilizar a Carteira de Trabalho Digital para buscar crédito em mais de 80 instituições financeiras que operam junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
As informações ficam disponíveis para os bancos através do eSocial, sistema eletrônico obrigatório que unifica informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais de empregadores e empregados de todo o país.
Entre os dados que estão acessíveis para as instituições estão: nome, CPF, margem do salário disponível para consignação e tempo de empresa. A partir daí, o interessado recebe ofertas em até 24 horas, analisa a melhor opção e faz a contratação no canal do banco.
"No momento de avaliar as ofertas e antes de assinar a contratação, o recomendado é fazer uma simulação detalhada do valor total do empréstimo, das parcelas e de como esse novo compromisso financeiro influenciará nos próximos meses", alertou Joyce Araújo da Silva, especialista em gestão tributária.
A partir dea 25 de abril, os bancos também poderão operar a linha do consignado privado dentro de suas plataformas digitais. A portabilidade entre as instituições financeiras será realizada a partir de 6 de junho. As parcelas do empréstimo serão descontadas diretamente da folha de pagamento, com um limite de 35% do salário do empregado. Após a contratação, o trabalhador acompanha mês a mês as atualizações do pagamento das parcelas.
Caso o saldo do empréstimo não seja quitado após o desligamento do emprego, a dívida fica vinculada a conta do eSocial e, quando o trabalhador estiver em um novo emprego CLT, a cobrança das parcelas volta a descontar diretamente em folha.
"O trabalhador deve ficar atento às taxas e prazos, evitando comprometer um valor alto do salário e lembrando que, em caso de demissão, o FGTS poderá ser usado para quitar parte da dívida, mas o saldo restante continuará sendo cobrado", ressalta Luciano Bravo, Head de Investimentos no Brasil da Savel. Capital Partners.
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De acordo com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, o profissional que utilizou o Saque-Aniversário também pode contratar o empréstimo consignado privado.
"O Saque-Aniversário não está na mesa, é outro departamento completamente diferente. Aqui é o crédito folha de pagamento. O mesmo cidadão que antecipou o Saque-Aniversário poderá constituir empréstimo", explicou.
A expectativa da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) é de que o novo crédito consignado reduza a demanda pelo saque-aniversário. "Além disso, consequentemente, reduza a resistência contra sua extinção, além de ser uma solução que evita o esvaziamento do saldo do FGTS", disse em nota o presidente da CSB, Antonio neto.
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