Porta-voz do Talibã afirmou, durante coletiva de imprensa nesta terça-feira, que a 'guerra acabou' no AfeganistãoAFP

Dois episódios marcaram nesta terça-feira, 17, o segundo dia de domínio completo do Talibã no Afeganistão. Primeiro, a ofensiva internacional de relações públicas do grupo, tentando passar uma imagem de moderação e pedindo que a vida volte ao normal. Segundo, as pessoas, principalmente as mulheres, não acreditando nas promessas dos extremistas e tentando escapar desesperadamente do país.
Membros do Talibã dizem que ainda é cedo para saber como será o próximo governo afegão. Mas o esforço para passar uma imagem de moderação marca uma diferença com relação ao primeiro regime extremista, entre 1996 e 2001. Ontem, líderes do grupo passaram o dia no Twitter, apareceram em redes de TV a cabo e deram uma coletiva para negar retaliações e oferecer garantias às mulheres "Dê-nos tempo", pediu Zabihullah Mujahid, porta-voz do Talibã, em coletiva, em Cabul.
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Mujahid adotou um tom conciliador, repetindo as garantias de que o Talibã não planejavam vingança contra aqueles que se opuseram ao grupo, mesmo os afegãos que colaboraram com os americanos e seus aliados da Otan. Sem dar detalhes, eles disse que "negociações" estão em curso para definir como será o novo governo.
"Asseguramos que não haverá violência contra as mulheres. Nenhum preconceito contra elas será permitido. Os valores islâmicos são a nossa estrutura", disse o porta-voz. A linguagem vaga, no entanto, não ajudou a diminuir o pânico. As mulheres, segundo Mujahid, serão "ativas" na sociedade. "Elas terão permissão para trabalhar e estudar, mas sempre dentro dos limites da lei islâmica."

Em outra estratégia surpreendente, Suhail Shaheen, também porta-voz do grupo, telefonou para a apresentadora Yalda Hakim, da BBC, durante a apresentação do telejornal da emissora. Ela atendeu à ligação e os dois conversaram por alguns minutos. "Não queremos confusão. Garantimos ao povo do Afeganistão que suas propriedades e suas vidas estão seguras", disse Shaheen.

As promessas, no entanto, não convenceram a maioria dos afegãos, que continuam a fugir do país. No imaginário popular, o Talibã ficou conhecido por operar com brutalidade e há sinais de que o grupo não mudou. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, disse ter recebido relatos "assustadores" de violações dos direitos humanos. "Estou particularmente preocupado com mulheres e meninas", disse.

Em partes do país, as mulheres já foram orientadas a não sair de casa sem a companhia de um homem e as escolas para meninas foram fechadas. Por precaução, as vendas de burcas dispararam. O dono de uma loja de roupa contou à CNN que os homens estão comprando as peças por garantia, para as mulheres, filhas e idosas, porque a burca passou a ser considerada o melhor salvo-conduto para que elas caminhem com segurança nas ruas.

Pessoas que fugiram para Cabul antes da queda do governo afegão relataram que, no interior do Afeganistão, o Talibã já começou a aterrorizar as mulheres com ameaças de casamentos forçados, sequestro e violência física. Na Província de Takhar, garotas que voltavam para casa em um riquixá motorizado foram detidas e teriam sido chicoteadas por usarem "sandálias reveladoras".

Muitas afegãs ainda guardam na memória o tempo em que a educação era proibida para meninas e as mulheres eram excluídas da vida pública. Em 2001, após a invasão americana, havia apenas 900 mil alunos no país, e nenhum era menina. Duas décadas depois, são 9,5 milhões de estudantes - 39% garotas.

Nos 20 anos de ocupação, meninas e mulheres se juntaram às forças militares e policiais, ocuparam cargos políticos, competiram na Olimpíada e integraram equipes de robótica - o que era inimaginável sob o Talibã. Além disso, os EUA investiram US$ 780 milhões para promover os direitos das mulheres. Agora, muitas temem que a experiência ocidental de duas décadas esteja próxima do fim.
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"O Emirado Islâmico do Afeganistão não quer que as mulheres sejam vítimas. Elas deveriam estar na estrutura governamental", afirmou Enamullah Samangani, membro da comissão cultural do Taleban. "Mas de acordo com a lei islâmica."

Presidente é enforcado

Quando entrou pela primeira vez em Cabul, em 27 de setembro de 1996, o Talibã mostrou que conduzirá uma vingança contra seus inimigos. Se agora o grupo emitiu um comunicado para dizer que "todos estavam perdoados", em 1996, enforcou um ex-presidente e seu irmão em um poste diante de centenas de moradores da capital

O ex-presidente pró-soviéticos Mohamed Najibullah (que governou de 1987 a 1992) e seu irmão Shahpur Ahmedzi, ex-chefe do Serviço de Segurança Nacional, estavam asilados em um escritório da ONU em Cabul. Sob o comando de um Conselho de Estado formado rapidamente pelo Talibã, os combatentes invadiram o local, arrastaram os dois amarrados em caminhonetes e os enforcaram.

"Najibullah era um assassino sanguinário, que já havia sido condenado pelo povo afegão", disse na época o mulá Mohamed Omar, que chefiava o grupo. O então presidente afegão, Burhanuddin Rabbani, havia deixado Cabul horas antes e se abrigara na base de Bagram. Na capital, a milícia instituiu a sharia (lei islâmica) e impôs uma série de restrições às mulheres.

s informações são do jornal O Estado de S. Paulo.