Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden AFP

Cabul - As tropas americanas intensificaram, nesta terça-feira, 24, as retiradas do Afeganistão, depois que os talibãs advertiram que permitiriam a continuidade deste tipo de operação por apenas mais uma semana, prazo considerado insuficiente por vários países ocidentais.

Nesta terça-feira, durante uma reunião de cúpula virtual do G7 dedicada ao Afeganistão, o Reino Unido, que preside atualmente o grupo, e outros aliados insistiram com os Estados Unidos sobre a necessidade de prorrogar a data-limite de 31 de agosto para conseguir retirar todas as pessoas que precisam deixar o país.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, deseja manter a data prevista, mas é pressionado pelas imagens de milhares de afegãos desesperados que aguardam no aeroporto de Cabul por um voo humanitário que permita a fuga do regime talibã.

Antes da reunião, o ministro britânico da Defesa, Ben Wallace, considerou "pouco provável" que Washington aceite a prorrogação. "Mas com certeza vale a pena tentar e vamos fazer isto", declarou ao canal Sky News.

Nas palavras do ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, o prazo de 31 de agosto "não é suficiente para retirar todos os que desejam sair".

"A situação é francamente dramática e cada dia que passa é pior, porque as pessoas têm consciência de que os prazos estão acabando", afirmou a ministra espanhola da Defesa, Margarita Robles.

Um alto funcionário da diplomacia da França declarou que, se o governo dos Estados Unidos retirar todas as suas tropas no prazo previsto, os soldados franceses terão de encerrar as operações de retirada na quinta-feira.

"Consequências"
Pondo fim a duas décadas de guerra com uma ofensiva relâmpago que os levou a assumir o controle de Cabul em 15 de agosto, assim como da maior parte do país, os talibãs afirmaram que o prazo de 31 de agosto, data prevista para a retirada total das tropas estrangeiras, é uma "linha vermelha".

"Se Estados Unidos ou Reino Unido buscam mais tempo para continuar as retiradas, a resposta é não (...) Haveria consequências", alertou o porta-voz do grupo insurgente, Suhail Shaheen, para quem a presença além do prazo acordado seria o equivalente a "estender a ocupação".

Quase 50 mil pessoas foram retiradas do país a partir do aeroporto de Cabul desde 14 de agosto, a maioria delas em voos militares americanos, segundo os números de Washington. Apenas na segunda-feira, 23, saíram de Cabul 16 mil pessoas em voos de vários países, informou o Pentágono.

Uma multidão permanece reunida do lado de fora do aeroporto à espera da oportunidade de deixar o país. Muitas pessoas temem que os talibãs voltem a instaurar o mesmo regime fundamentalista e brutal que imperou quando permaneceram no poder, entre 1996 e 2001.

Além disso, os cidadãos que trabalharam para governos ou empresas estrangeiras nos últimos anos, artistas ou pessoas que defenderam a abertura do país e os direitos das mulheres ou minorias sabem que são alvos dos extremistas.

Na segunda-feira, um guarda afegão morreu, e três ficaram feridos em tiroteios no aeroporto. Várias pessoas faleceram em circunstâncias obscuras durante as operações de retirada.

"São os mesmos"
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"Os talibãs são os mesmos há 20 anos", declarou Nilofar Bayat, ativista dos direitos da mulher e ex-capitã da equipe afegã de basquete em cadeira de rodas que fugiu para a Espanha.

Nesta terça-feira, a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, advertiu que a forma como o Talibã pretende tratar as mulheres, especialmente no que diz respeito ao seu direito à educação, representará uma "linha vermelha".

Bachelet, que no início de agosto havia mencionado "relatórios que mostravam violações que poderiam constituir crimes de guerra" no Afeganistão, destacou nesta terça-feira, 24, que recebeu "informações confiáveis sobre graves violações do direito humanitário internacional e ataques contra os direitos humanos em várias zonas sob controle talibã".

O movimento, que trabalha na formação de um novo governo, afirma que mudou em comparação com o regime que administrou o país há 20 anos, inclusive declarando anistia para as forças militares e os funcionários do governo que estiveram à frente do país até o início do mês.

Um relatório da ONU divulgado na semana passada afirma, no entanto, que os islamitas seguem de "porta em porta" para procurar pessoas que trabalharam com o antigo governo, ou com as tropas internacionais.

Os fundamentalistas conseguiram impor uma calma relativa na capital, onde patrulham as ruas, mas o medo continua presente. Muitos cidadãos, sobretudo mulheres, não se arriscam a sair de casa.

Um núcleo de resistência aos talibãs persiste no vale de Panshir, ao nordeste de Cabul, chamado Frente Nacional de Resistência (FNR). O movimento é liderado por Ahmad Masud, filho do célebre comandante Masud, assassinado em 2001, e por Amrullah Saleh, vice-presidente do governo derrubado.

Na segunda-feira, os talibãs afirmaram que cercaram a região de Panshir, mas que preferiam negociar antes de combater.

O porta-voz da FNR, Ali Maisam Nazary, disse à AFP que se prepara "para um conflito de longa duração" com os talibãs, caso não seja alcançado um acordo para um "sistema de governo descentralizado".