Bombeiros tentam apagar incêndio em prédio atingido por bombardeios no distrito de Obolon, em KievAFP PHOTO / STATE EMERGENCY SERVICE OF UKRAINE / HANDOUT

Kiev - No dia seguinte ao naufrágio de sua nau capitânia no Mar Negro, a Rússia prometeu nesta sexta-feira (15) intensificar seus bombardeios contra Kiev e o primeiro deles foi contra uma fábrica de mísseis Neptune, com os quais os ucranianos dizem ter afundado o "Moskva".

Um funcionário do Departamento de Defesa dos EUA disse que o cruzeiro russo de 186 metros foi atingido por dois mísseis ucranianos, o que qualificou como "grande golpe" para a Rússia.

A Rússia havia dito até agora que o "Moskva" foi danificado por um incêndio na quarta-feira depois que sua própria munição explodiu e que a tripulação - cerca de 500 homens, segundo fontes disponíveis - foi evacuada.

Algumas afirmações foram desmentidas por um oficial militar ucraniano. "Vimos como os navios tentavam ajudar, mas até as forças da natureza estavam do lado da Ucrânia", pois "uma tempestade impediu o resgate do navio e a evacuação da tripulação", disse Natalia Gumeniuk, porta-voz do comando militar do sul da Ucrânia.

"Estamos perfeitamente cientes de que eles não nos perdoarão", acrescentou, referindo-se à Rússia e a possíveis novos ataques.

A perda do "Moskva" é um duro golpe para a Rússia porque "especialmente para o bombardeio da costa e manobras de desembarque", explicou o porta-voz da administração militar de Odessa, Sergei Bratchuk.

Medo de um ataque nuclear
Neste contexto, o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, considerou que "o mundo inteiro" deve estar "preocupado" com o risco de o seu homólogo russo, Vladimir Putin, pressionado pelos seus reveses militares na Ucrânia, utilizar uma arma nuclear.

Zelensky repetiu as declarações feitas no dia anterior pelo diretor da CIA William Burns. "(...) Nenhum de nós pode levar a sério a ameaça nuclear do uso potencial de armas nucleares táticas ou armas nucleares de baixo rendimento", disse ele em um discurso em Atlanta.

"O número e a magnitude dos ataques com mísseis em locais de Kiev aumentarão em resposta a todos os ataques e sabotagens do tipo terrorista realizados em território russo pelo regime nacionalista de Kiev", anunciou o Ministério da Defesa russo.

Na noite de quinta-feira, uma fábrica de mísseis nos arredores de Kiev foi atingida por um bombardeio russo, verificaram jornalistas da AFP nesta sexta.

A empresa Vizar fabrica mísseis Neptune com os quais os ucranianos dizem ter atingido o navio russo, indicou em seu site o UkrOboronProm, o órgão estatal que controla as fábricas de armas ucranianas.

A fábrica e o prédio administrativo adjacente, localizado a cerca de 30 km a sudoeste de Kiev, sofreram danos significativos, segundo a AFP.

Os russos realizaram três ataques na sexta-feira à região de Kiev, disse seu governador, Alexander Pavliouk, sem especificar se isso inclui a empresa Vizar.

Disparos contra os evacuados
A Rússia também alegou que a Ucrânia bombardeou cidades russas na fronteira, acusações que a Ucrânia nega. Segundo os ucranianos, são os serviços secretos russos que realizam "ataques terroristas" naquela região.

Do lado ucraniano, o Ministério Público informou na sexta-feira que sete civis foram mortos e 27 ficaram feridos em disparos russos contra ônibus de evacuação na região nordeste de Kharkov, perto da fronteira.

Além disso, pelo menos sete pessoas foram mortas, incluindo um bebê de sete meses, e 34 ficaram feridas no bombardeio russo de uma área residencial em Kharkov, anunciou o governador regional Oleg Sinegubov nesta sexta-feira.

Em Bucha, uma cidade perto de Kiev que se tornou um símbolo de atrocidades atribuídas às forças russas, 95% das pessoas encontradas mortas foram alvejadas, disse o chefe de polícia da região de Kiev, Andrii Nebitov.

"Durante a ocupação (russa), as pessoas estavam sendo baleadas nas ruas... É impossível esconder esse tipo de crime no século 21. Não só há testemunhas, mas também foi registrado em vídeo", disse ele.

O prefeito de Bucha, Anatoli Fedoruk, garantiu que mais de 400 corpos foram encontrados após a partida das tropas russas.

Ataques em Donbass
No leste da Ucrânia, na região de Donbass, Donetsk foi palco de combates "em toda a linha de frente", nos quais três pessoas foram mortas e outras sete ficaram feridas, segundo a presidência ucraniana.

Outra área desta região, Luhansk, foi alvo de 24 bombardeios, que provocaram duas mortes e 10 feridos, segundo a mesma fonte.

A Rússia, cuja grande ofensiva anunciada em Donbass ainda não começou, está tendo problemas para obter o controle total de Mariupol, um porto estratégico no Mar de Azov.

Esta cidade, sitiada por mais de 40 dias pelo exército russo, pode ter o pior saldo de perdas humanas nesta guerra. As autoridades ucranianas temem que haja cerca de 20.000 mortos.

Galina Vasilieva, 78, aponta para um prédio de nove andares completamente queimado. "Olhe para nossos belos prédios! Pessoas queimaram lá dentro", lamenta esta aposentada enquanto espera na frente de um caminhão de distribuição de ajuda humanitária organizado por separatistas pró-russos.

Durante uma visita à Ucrânia, David Beasley, diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos, que pertence às Nações Unidas, pediu acesso a áreas e cidades sitiadas, onde as pessoas estão "passando fome".

Uma equipe da AFP conseguiu acessar Mariupol por meio de uma viagem de imprensa organizada pelo exército russo e pôde ver os danos deixados pelo constante bombardeio da cidade desde a invasão russa em 24 de fevereiro.

A conquista de Mariupol seria uma vitória importante para as forças russas, pois permitiria consolidar sua posição no Mar de Azov, unindo Donbass e a península da Crimeia, que Moscou anexou em 2014. Agora a luta está limitada à extensa área industrial na costa. As forças russas e seus aliados separatistas em Donetsk prevaleceram e gradualmente apertaram o cerco.

Mais de cinco milhões de pessoas fugiram da Ucrânia desde o início da invasão russa, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

E, enquanto isso, as tensões entre a Rússia e os países ocidentais não mostram sinais de abrandamento. Moscou anunciou a expulsão de 18 diplomatas da representação da União Europeia em seu país, em resposta a uma medida semelhante adotada por Bruxelas.