Veículo militar russo em Luhansk, no leste da Ucrânia, passa diante de cartaz pedindo votos para a anexação da regiãoReprodução: AFP

As autoridades leais a Moscou nas regiões ocupadas da Ucrânia iniciaram nesta sexta-feira, 23, os referendos de anexação à Rússia, considerados ilegais por Kiev e seus aliados ocidentais que não reconhecerão os resultados.

As votações nas regiões Donetsk e Lugansk (leste), assim como em Kherson e Zaporizhzhia (sul), começaram às 5h GMT (2h no horário de Brasília), informaram as agências de notícias russas, e devem durar cinco dias. Em Kherson, que é quase totalmente controlada por Moscou, a votação também deve começar nesta manhã.
Os pleitos orquestrados pelo Kremlin são vistos como um passo para a anexação dos territórios. Os ucranianos e aliados denunciaram o processo como uma farsa com uma força sem qualquer força legal.

A votação, que pergunta aos moradores se eles querem que suas regiões façam parte da Rússia, certamente seguirá o caminho de Moscou. Isso daria à Rússia o pretexto para alegar que as tentativas das forças ucranianas de recuperar o controle são ataques à própria Rússia, agravando dramaticamente o conflito de sete meses.
Convocação de reservistas

Os referendos aumentam a tensão de uma semana marcada pela mobilização de 300 mil reservistas anunciada pelo presidente russo Vladimir Putin, que também ameaçou utilizar o arsenal nuclear para proteger o território de seu país.

Uma hipotética integração à Rússia das quatro regiões, que os analistas consideram algo certo, implicaria que Moscou, seguindo sua doutrina, poderia utilizar suas armas atômicas para defendê-las da contraofensiva iniciada pela Ucrânia no leste e sul do país.

"Não podemos deixar o presidente Putin se safar", afirmou em uma reunião do Conselho de Segurança da ONU o secretário de Estado americano, Antony Blinken, que acusou o russo de "jogar lenha na fogueira". "A ordem internacional que tentamos salvar aqui está sendo destruída diante de nossos olhos", acrescentou.

Os referendos recordam a consulta organizada em 2014 na península da Crimeia, anexada à Rússia depois de uma votação considerada fraudulenta pelas potências ocidentais. Após o anúncio dos referendos na terça-feira, 20, os líderes ocidentais denunciaram o caráter ilegítimo das votações.

Na ONU, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, rebateu as acusações e atribuiu a situação ao "Estado totalitário nazista" de Kiev. "Há uma tentativa de nos imputar uma narrativa completamente diferente sobre uma agressão russa como a origem desta tragédia", disse.

Nas regiões de Donetsk e Lugansk, reconhecidas como nações independentes por Moscou pouco antes da invasão iniciada em 24 de fevereiro, os moradores devem responder se apoiam "a entrada na Rússia", de acordo com a agência russa TASS.

Em Kherson e Zaporizhzhia, no sul, as cédulas incluem a pergunta: "Você é favorável à secessão da Ucrânia, à formação de um Estado independente e sua união à Federação da Rússia como membro da Federação da Rússia?". O processo será peculiar. As autoridades devem recolher os votos porta a porta nos primeiros quatro dias do referendo e apenas no último dia, terça-feira, 27, os locais de votação abrirão as portas.

Leonid Pasechnik, líder da autoproclamada república de Lugansk, disse que espera pela votação desde 2014, quando começou a rebelião de insurgentes pró-Rússia nesta região e na vizinha Donetsk. "É nosso sonho e futuro comum", disse.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky chamou os referendos de "farsa" e agradeceu aos aliados ocidentais que condenaram "outra mentira russa". A hipotética anexação representaria uma grave escalada no conflito, em particular depois que Putin afirmou que protegeria o território russo com "todos os meios".

O ex-presidente e atual número dois do Conselho de Segurança do país, Dmitri Medvedev, destacou que isto significa o uso de "armas nucleares estratégicas". Ao mesmo tempo, a Rússia iniciou na quinta-feira, 22, a mobilização de reservistas anunciada por Putin depois dos consideráveis reveses sofridos nas últimas semanas ante a contraofensiva da Ucrânia.
Fuga após anúncio de mobilização

O exército russo informou que pelo menos 10 mil pessoas se apresentaram como voluntárias nas 24h posteriores ao anúncio, que também provocou manifestações em várias cidades que terminaram com mais de 1.300 detenções.

A imprensa local noticiou que muitas pessoas tentaram fugir do país para evitar a convocação. Os voos para as nações vizinhas, em particular as ex-república soviéticas que permitem a entrada sem visto dos russos, estão praticamente lotados e com os preços das passagens em forte alta.

"Não quero morrer nesta guerra sem sentido. É uma guerra fratricida", declarou Dmitri, de 45 anos, que estava apenas com uma pequena mochila no aeroporto de Yerevan, capital da Armênia.

A maioria dos passageiros do último voo entre Moscou e Yerevan era de homens em idade de serviço militar, muitos deles relutantes em dar entrevista. Exausto, Serguei, de 44 anos, admite que deixou o país para escapar de um possível recrutamento ao lado do filho Nikolai, de 17 anos.

"A situação na Rússia me levou a decidir sair. Sim, saímos da Rússia por causa da mobilização", afirmou.
Troca de prisioneiros 
O presidente russo e o príncipe herdeiro saudita expressaram "satisfação" com uma troca de prisioneiros com a Ucrânia que incluiu combatentes estrangeiros, com a mediação da Arábia Saudita.

As autoridades ucranianas anunciaram na quarta-feira, 21, que receberam 215 combatentes do país e estrangeiros durante uma troca com a Rússia, que recuperou 55 prisioneiros russos, incluindo o ex-deputado ucraniano Viktor Medvedchuk, próximo a Putin é acusado de alta traição em Kiev.

A Arábia Saudita anunciou ainda a transferência para seu território de cinco britânicos, dois americanos, um marroquino, um sueco e um croata como parte da troca. Os cinco britânicos liberados retornaram na quinta para o Reino Unido.