Demna Gvasalia é o diretor criativo da grife espanholaInternet/Reprodução

Nos últimos três anos, o tema responsabilidade social tomou o centro das rodas de conversas no mercado de moda. Em um período relativamente curto de tempo — considerada a longeva história da indústria —, vimos importantes e necessárias mudanças rumo a um mercado mais inclusivo, sustentável e socialmente responsável.
Parte desses avanços vem do entendimento que diretores criativos e marcas devem carregar em suas mensagens o espírito dos nossos tempos. No entanto, outro importante fator motivador de mudanças é o próprio público, que está mais conectado, esclarecido e atento. A audiência atual participa, cobra e também condena quando necessário. O comprador de moda contemporâneo entende a roupa como mensagem e passa a escolher produtos e marcas que representam mais do que apenas seu estilo de se vestir. Em pesquisa recente da Ipsos, 70% dos consumidores de 25 países do mundo disseram comprar de marcas que refletem seus valores pessoais. Neste cenário, um movimento errado pode ter resultados catastróficos. Principalmente quando o erro fere, ofende ou põe em risco o bem-estar.
O caso Balenciaga, que ganhou manchetes do mundo todo, é um desses. Após divulgar imagens de suas duas últimas campanhas, a marca vem sendo acusada de divulgar mensagens que promovem a exploração e a sexualização infantil. Sob o comando do diretor criativo georgiano Demna Gvasalia, que entrou na marca em 2015, a grife de luxo de origem espanhola se tornou alvo de polêmicas por suas escolhas provocativas de comunicação e seus produtos que desafiavam os limites do bom gosto e do luxo em si.
Um exemplo recente são as bolsas de couro que replicavam com exatidão sacos de lixo. Provocações essas que causaram reações fortes, mas que nunca puseram em xeque o posicionamento da marca mediante questões humanas sérias e importantes, como é o caso que estampa as mídias hoje.
O atual problema começou com uma campanha de fim de ano. Nela, crianças de uns 10 anos ou menos, posaram com acessórios e roupas da marca, entre eles ursinhos de pelúcia que traziam referências imagéticas do universo do sadomasoquismo, o que dava uma leitura sexual às fotos das crianças. As fotos por si só já desencadearam reações indignadas, no entanto, o que já era gravíssimo se tornou ainda mais quando o público notou outro elemento, em uma segunda campanha.
Revoltados com o primeiro acontecimento, internautas analisaram a fundo o material de divulgação da coleção de primavera-verão 2023 da marca e descobriram na cenografia de uma das fotos — a de uma bolsa criada em colaboração com a Adidas — papéis de uma decisão da suprema corte americana relacionada à pornografia infantil. Combinadas, as campanhas inflamaram as redes e causaram sérios danos à imagem da marca.
As consequências foram imediatas. Além de uma enxurrada de comentários negativos nas redes, celebridades e personalidades da mídia começaram a vir a público com notas de repúdio à situação. "Sobre meu futuro com a Balenciaga, estou reavaliando minha relação com a marca, baseada em sua disposição a aceitar a responsabilidade por algo que nunca deveria ter acontecido e nas ações que espero vê-los tomar para protegerem as crianças", declarou a socialite e influenciadora digital Kim Kardashian em seu Twitter.
Em comunicado oficial, o único post no Instagram com mais de 14 milhões de seguidores, a Balenciaga diz que a escolha de usar imagens de crianças com "s de pelúcia vestindo o que alguns categorizam como acessórios com inspiração BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo). Foi "uma escolha errada combinada a uma falha em analisar e validar imagens".
Já sobre a outra campanha afirmam que a ideia era simular um ambiente de escritório e que todos os elementos da cenografia foram responsabilidade de terceiros, "a inclusão desses documentos é resultado de uma negligência irresponsável pela qual a Balenciaga registrou queixa", diz o texto.
A marca ainda diz estar revisando sua forma de agir e iniciando trabalhos com organizações especializadas na proteção de crianças que lutam contra a exploração infantil. Em momento algum a grife cita o nome de Demna Gvasalia, o que pode ser uma tentativa de proteger o diretor criativo.
O fato, que extrapola os limites da polêmica e que chegou a ser classificado na internet como "criminoso", deixa mais clara a responsabilidade que uma marca carrega e as consequências que um movimento mal calculado pode ter. Muito mais do que tendências e vestuário, a moda vive um período no qual todas as suas escolhas são analisadas sob pontos de vista sociais, éticos e humanos. Consciência é palavra de ordem no mercado contemporâneo.