Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por Gabriel Chalita*
Seu Tomás trabalha na portaria do prédio em que minha mulher e eu moramos. Gosta ele das conversas e das verdades que diz, sem muitos filtros. É assim nos assuntos da política, do futebol, da religião e da vida das pessoas.
Foi na semana passada, em que ele gastou alguns segundos me olhando, enquanto eu aguardava o elevador, que ele incendiou minhas preocupações: "Engordou, hein, doutor?!".

Antes da porta se abrir e antes que eu pudesse conferir no espelho a sua verdade, tentei explicar dizendo que havia operado o joelho que estava sem correr, que já havia voltado, que, enfim, tudo voltaria ao seu lugar.

Ele ouviu, meneando a cabeça, e lascou: "É, mas se não fechar a boca, não resolve". Ri e disse nada. Entrei no elevador e fiquei medindo o que estava fora do lugar.

Vida dura a de médico. Pouco tempo para cuidados necessários. Vou voltar a correr, sim. E vou voltar a viver sem as gorduras que perturbam o seu Tomás.

No mesmo dia, recebemos um casal de amigos para jantar. Minha mulher gosta de fazer pizza. Temos um forno na varanda de casa. Soraia é uma amiga querida que, há muito, não nos visitava. Seu marido é um diplomata da elegância. Pensa em cada palavra que vai dizer. Tem a humildade de ouvir antes de opinar.

Ajudava Verônica, minha esposa, a preparar as pizzas, enquanto ouvíamos Chico Buarque e falávamos amenidades. Soraia parecia satisfeita com os pedaços que comia. Perguntava eu os sabores, e ela aceitava todos. Marguerita. Muçarela. Burratta.

Ríamos de lembranças do ontem, comentávamos a genialidade de Chico de compor tão único e tão diverso. Foi quando ela olhou para minha mulher e falou: "Agora, depois do sexto pedaço, posso confessar, não gosto de pizza". O marido, elegante, tossiu engasgado. Quis explicar: "Meu amor, - prosseguiu ela - fui sincera! Se eu soubesse que era pizza, nem teria vindo, é que gostei tanto que fui comendo".

Minha mulher ofereceu fazer outra coisa. Ele disse que não, que queria mais um pedaço de Marguerita. E depois comeu mais uns três ou quatro. E eu estou sendo tão sincero quanto ela e o Seu Tomás, sem exageros nem interpretações. E ainda perguntou se faríamos uma pizza doce para terminar.

O marido lembrou que eles haviam trazido uns chocolates para a sobremesa. Que era desnecessário. "Eu prefiro a pizza doce, se não for dar trabalho", disse, selando o seu dito com um beijo no marido que aquiesceu.

E assim foi feito. Eles se despediram e antes de nos amarmos, Veronica e eu brincamos de revisitar o dia. Contei do Seu Tomás e disse que, no dia seguinte, sairia escondido, depois de tanta pizza. E agradecemos o privilégio de, em tempos tão maquiados, conviver com a sinceridade.

Entre sorrisos gentis, a verdade é sempre bem-vinda. Ouvindo Chico que cantava: "E me beija com calma e fundo até minha alma se sentir beijada", eu beijava minha mulher que não tinha os mesmos incômodos do porteiro.

Penso eu. Mas amanhã volto a correr.
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*É professor e escritor