Dani Monteiro, deputada estadual do PSOL - Divulgação
Dani Monteiro, deputada estadual do PSOLDivulgação
Por Dani Monteiro*
A pandemia pelo coronavírus nos encurralou em casa, seja ela do tamanho que for. Do conforto do trabalho remoto possível à saída obrigatória pelo sustento diário, guardadas as devidas proporções, ficamos todos reféns do que a covid-19 pode causar a nós e aos nossos. Os danos, como as mortes, já vimos, são muitos. Natural que quando a vacina finalmente chegasse corrêssemos todos trôpegos em busca de salvação, agarrados a esse fio de esperança. Eis que, por fora da fila dos grupos prioritários, diante da escassez de insumos, aparecem os que não hesitam em surrupiar uma dose que não seja sua. Por que mesmo essas pessoas acham que podem?

As trapalhadas do governo errático e vil no comando da pandemia nos trouxeram até aqui. Despeitado e incompetente, o presidente da República deu de ombros para as ofertas de imunizantes, fez pouco caso de possibilidades concretas de proteger a população como o nosso Sistema Único de Saúde (SUS) permitiria se doses suficientes houvesse.
Esse homem é mau, a minha sobrinha de quatro anos já repete quando vê Bolsonaro na televisão. E ela nem entende ainda que a mãe da melhor amiguinha morreu à míngua e sem ar depois de ser infectada pelo coronavírus na casa dos patrões. Foi-se o arrimo de uma família que não se sabe a vida que terá. Mais uma.

Chegamos à vacinação, único recurso científico disponível para nos livrar da peste que nos assola desde o ano passado, com doses contadas, distribuição nebulosa e aplicação seletiva. Sim, há um plano nacional que estabelece grupos prioritários, ao menos isso. Se é essa nossa realidade, é necessário que respeitemos as regras estabelecidas. Só que não.

Na real, as trapalhadas do governo errático e vil não justificam a atitude condenável de quem não espera a sua vez. Que gente é essa? Arrisco dizer: a mesma gente que não se importa com os porquês de tanto morador de rua na sua esquina, a mesma gente que atropela e mata em alta velocidade e foge sem prestar socorro e sem remorços; a mesma gente que despreza a empregada doméstica; a mesma gente que brada que o estado não tem de dar nada a ninguém mas não dispensa o que é público; a mesma gente que segue indiferente desde que suas necessidades (e futilidades) sejam atendidas prontamente.

Farinha pouca, que se ponha mais água no pirão. Foi a lição que meu pai me deu, na favela onde cresci, num cotidiano incompreensível pela desigualdade escancarada quando descíamos o morro e víamos a cidade habitada pelos outros, os privilegiados por alguma condição de abundância que lhes fora dada. A saber herança, boa educação, acesso a bens culturais, bons médicos, conforto, moradia com banheiro(s). Não precisei chegar à idade adulta para compreender o quanto esses fatores são determinantes para as vidas de pretos e pobres, que largam em franca desvantagem desde o berço que não têm.

Na escassez material, no entanto, meu pai também me ensinou que se deve dar o máximo, ainda que o que se alcance seja mínimo: afeto, solidariedade, compaixão, gratidão, generosidade. Meu pai ensinava sobre empatia sem saber a que classe gramatical essa palavra pertencia porque desconhecia regras da língua portuguesa. E me doutrinou também que, quando na fila, a gente não só espera a vez como também cede lugar. Sobre moral, pelo visto, essa gente que avança sobre as vacinas pisoteando quem está à frente não aprendeu.
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É deputada estadual pelo PSOL-RJ