As trapalhadas do governo errático e vil no comando da pandemia nos trouxeram até aqui. Despeitado e incompetente, o presidente da República deu de ombros para as ofertas de imunizantes, fez pouco caso de possibilidades concretas de proteger a população como o nosso Sistema Único de Saúde (SUS) permitiria se doses suficientes houvesse.
Chegamos à vacinação, único recurso científico disponível para nos livrar da peste que nos assola desde o ano passado, com doses contadas, distribuição nebulosa e aplicação seletiva. Sim, há um plano nacional que estabelece grupos prioritários, ao menos isso. Se é essa nossa realidade, é necessário que respeitemos as regras estabelecidas. Só que não.
Na real, as trapalhadas do governo errático e vil não justificam a atitude condenável de quem não espera a sua vez. Que gente é essa? Arrisco dizer: a mesma gente que não se importa com os porquês de tanto morador de rua na sua esquina, a mesma gente que atropela e mata em alta velocidade e foge sem prestar socorro e sem remorços; a mesma gente que despreza a empregada doméstica; a mesma gente que brada que o estado não tem de dar nada a ninguém mas não dispensa o que é público; a mesma gente que segue indiferente desde que suas necessidades (e futilidades) sejam atendidas prontamente.
Farinha pouca, que se ponha mais água no pirão. Foi a lição que meu pai me deu, na favela onde cresci, num cotidiano incompreensível pela desigualdade escancarada quando descíamos o morro e víamos a cidade habitada pelos outros, os privilegiados por alguma condição de abundância que lhes fora dada. A saber herança, boa educação, acesso a bens culturais, bons médicos, conforto, moradia com banheiro(s). Não precisei chegar à idade adulta para compreender o quanto esses fatores são determinantes para as vidas de pretos e pobres, que largam em franca desvantagem desde o berço que não têm.
Na escassez material, no entanto, meu pai também me ensinou que se deve dar o máximo, ainda que o que se alcance seja mínimo: afeto, solidariedade, compaixão, gratidão, generosidade. Meu pai ensinava sobre empatia sem saber a que classe gramatical essa palavra pertencia porque desconhecia regras da língua portuguesa. E me doutrinou também que, quando na fila, a gente não só espera a vez como também cede lugar. Sobre moral, pelo visto, essa gente que avança sobre as vacinas pisoteando quem está à frente não aprendeu.