Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação

Nos últimos anos, diversas posições assumidas pelo Brasil no plano internacional, bem como ações domésticas levadas a cabo pelo governo Bolsonaro tiveram impacto muito nocivo sobre a imagem do país. De fato, o negacionismo climático, a indiferença em face do desmatamento amazônico, a irresponsabilidade no enfrentamento da pandemia e a adoção de um viés extremamente conservador no Conselho de Diretos Humanos da ONU, com o apoio a visões anacrónicas sobre a família e a postura defensiva em agendas como orientação sexual, identidade de gênero e direitos sexuais e reprodutivos, são apenas alguns dos exemplos de atitudes e posturas que chacoalharam a tradicional legitimidade e credibilidade do país no exterior.

Some-se a isso tudo, o embate recorrente de Bolsonaro com o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), culminando numa campanha irresponsável para minar a credibilidade das eleições e das urnas eletrônicas. A famosa reunião convocada com os Embaixadores estrangeiros acreditados em Brasília, com o propósito de semear dúvidas sobre a lisura do pleito eleitoral, foi o momento mais lamentável e triste de uma sequência de trapalhadas e declarações temerárias do ex-presidente.

Infelizmente, contudo, as teorias conspiratórias e a retórica de ódio que marcaram a gestão Bolsonaro não se encerraram com as eleições de 30 de outubro, mas mantiveram-se vivas entre seus apoiadores, que acampados diante de quartéis por todo o Brasil, pediam uma intervenção militar como única salvação possível para corrigir as consequências da derrota eleitoral, que, na esteira das nocivas palavras do ex-presidente, julgavam fraudadas.
O terrorismo praticado em 8 de janeiro contra as sedes dos poderes da República em Brasília já tinha suas sementes plantadas há bastante tempo e, embora lamentáveis e sem paralelo na história de nossa Nova República, não chegam a surpreender em absoluto.

Subitamente, as boas expectativas geradas na comunidade internacional pela vitória de Lula, notadamente em relação à volta do Brasil às boas práticas e princípios que tradicionalmente guiaram a sua política externa, viram-se interrompidas, uma semana depois da posse, pelos atos golpistas e terroristas em Brasília.

Para o bem do país, contudo, a rápida reposta revelou uma ampla coesão de todos os poderes e lideranças mais significativas da República, bem como da sociedade civil e do setor produtivo, na contundente e inequívoca condenação do abjeto atentado às franquias democráticas. Vale notar, inclusive, que as principais lideranças internacionais não tardaram em rechaçar os ataques e em solidarizar-se com o governo recém-empossado, com declarações de confiança no bom funcionamento das instituições do país.

Os tristes episódios corridos na capital federal, já batizados por alguns de “Capitólio brasileiro”, em analogia à igualmente lamentável invasão do parlamento norte-americano em 6 de janeiro de 2021, testaram no limite máximo a saúde de nossa ainda imatura democracia, mas seviram também para reforçar o empenho em favor do resgate da credibilidade do país. A identificação e punição dos responsáveis na execução, idealização e financiamento dos atos terroristas correrá em paralelo à execução de iniciativas domésticas voltadas para o combate à pobreza e à fome, aliado à retomada de um crescimento sustentado e responsável, e à adoção de práticas internacionais lúcidas e pragmáticas que devolvam o país à posição de proeminência e protagonismo que lhe cabe nos foros internacionais.
Em um contexto global marcado pelo extremismo e o radicalismo, poderá o Brasil "liderar pelo exemplo" com suas respostas e ações em favor da pluralidade, diversidade e sinergia das instituições democráticas.
Paulo Velasco Júnior é professor e coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da Uerj