O sol descansava as névoas e iluminava.O entardecer não tardaria a chegar. O entardecer havia chegado. Foi o que ouvi de João.
Sentado em um banco de madeira velho, remexia os pensamentos e acenava, com educação, aos passantes que caminhavam na praia quase vazia.
Parei um pouco e sentei ao seu lado. O sorriso havia feito o convite.
"O senhor não é daqui", foi o que me disse.
"Estou de passagem", foi o que respondi.
"Todos nós estamos", foi o que ensinou.
João tem a idade de alguns cansaços. A pele queimada de sol. Os pés descalços dos frequentadores de areia. As mãos estendidas sobre o tempo explicam tempos de mais ação. O tempo que ainda não havia escorregado por entre os espaços de seus dedos, também queimados de sol e de histórias.
"Esmeralda", disse ele.
"Como"? Indaguei.
"Querem comprar Esmeralda, estão comprando tudo".
Não demorei a entender que Esmeralda era o barco. Do banco de madeira velho, víamos o velho barco de João.
"Esmeralda me deu tudo".
E foi dizendo dos filhos já formados com o dinheiro dos turistas que conheciam o mar em Esmeralda. Da vida com Esmeralda. Dos passeios românticos com Lucília, a esposa, em Esmeralda.
"Faz tanto tempo". Disse e silenciou. Silenciei também.Foi como se visse sozinho, dentro de si mesmo, um filme bonito.
Aproveitei para ver melhor o mar e os barcos balançando em obediência ao ir e vir das ondas. A visão era de imagens capazes de alimentar afetos e perpetuar memórias.
Voltou João a dizer de Esmeralda. Então, eu percebi que deixei de ver os outros barcos e fiquei enamorado de Esmeralda. O nome estava pintado em lugar visível. O balançar disfarçava a idade.Fiquei, também, construindo o meu filme interno. Imaginando o dia em que João encontrou Esmeralda e, com ela, o seu lugar no mundo. Fiquei perguntando se já havia encontrado a minha Esmeralda, a minha embarcação, a minha jóia explicadora das existências. O balançar é para todos.
A frase de João voltou a dizer em mim, "todos nós estamos" de passagem. Passageiros do tempo nos espaços que conhecemos. Passageiros do tempo nas embarcações que nos transportam. E que, em dias de lua atrevida, nos oferecem romantismos. Fiquei imaginando Lucília. Como se conheceram? Na praia? Na casa de algum conhecido? Na saída de alguma Igreja? Perguntei nada. Preferi construir.
Esmeralda foi construída por artesãos que já não mais existem. Ou artesãos que existem em Esmeralda. Lucília mora com João, já sem os filhos, em uma casa que não fica longe. Sai pouco. Algumas doenças demitiram o caminhar apaixonado nas areias daquele mar.
Há uma empresa que chegou, há pouco, e que está comprando as embarcações. Poderia ser um bom dinheiro para João e Lucília, para os remédios, para o conforto. Desconfortado está ele em dizer adeus. E se mudarem o nome? E se pintarem de alguma outra cor? E se não mais reconhecer Esmeralda?
Sou de outro canto do mundo. No meu canto, conto a vida em outro tempo. O meu tempo ainda não é do entardecer, embora saiba que há de chegar e que há de balançar verdades provisórias que hoje tenho. Não sei medir o que, para João, é o despedir de Esmeralda. Penso que coisas possam ser despedidas, nascemos sem elas, mas não posso julgar. Não sei o que nasceu em João com Esmeralda e o que representa o seu atravessar de ondas, de dias, de uma vida inteira.
Sei que fiquei feliz antes do entardecer. E que agradeci a conversa.
"Volte amanhã", disse ele. "Esmeralda e eu, estaremos aqui".
"E Lucília"? perguntei.
"Ah, se quiser tomar um café em minha casa, será bem-vindo, ela sai pouco, mas ficará feliz".
E assim resolvemos. O meu amanhecer amanhã será com os dois, na casa simples não muito longe da praia, na simplicidade de um amor que resistiu ao tempo, ao tempo embalado em tantas travessias em Esmeralda.
Um pouco da minha Esmeralda estava ali, no encantamento de encontrar pessoas e no escolher as palavras para oferecer amor.
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