Economista Raul VellosoDivulgação/Inae

Com todas as dificuldades que o setor público vem enfrentando para administrar suas contas na última década, o resultado primário consolidado (que exclui os juros na apuração da despesa) foi superavitário em 1,3% do PIB em 2022, do que, ao lado de outros fatores, derivou uma razão entre a dívida pública e o PIB de 73,5%.

Número absurdamente alto? Na verdade, não, principalmente se considerarmos que esse tipo de cálculo tende a superestimar bastante o que se está tentando medir, ao dividirmos um estoque (a dívida) por um fluxo (o PIB). Há outras formas mais adequadas de medir o mesmo fenômeno sem, contudo, superestimá-lo. Por exemplo, teria de ser só variáveis-estoque ou só fluxos.

Só que, aceito que o teto de gastos faliu, corre-se desesperadamente por uma nova âncora para combater a crise fiscal, e aqui e ali começam a aparecer candidatos, até agora a meu ver fracos. Temo que caiamos na mesma esparrela do teto, que, em poucos anos, foi violentado várias vezes. Agora, teremos de acertar de primeira.

Por que ele fracassou? Ninguém se deu conta de que, em 2021, 96,9% do gasto da União correspondiam aos ditos gastos obrigatórios, ou seja, pendurados na Constituição e dificílimos de alterar. Já os residuais discricionários, notadamente os investimentos em infraestrutura, obviamente foram levados a desabar, e, nesse ano, esse último item ficou com apenas 2,2% do total, sendo o principal alvo do ajuste até os obrigatórios abocanharem quase tudo.

Que itens mais cresceram? Previdência e assistência social. Passados os 34 anos entre 1987 e 2021, o gasto com o primeiro item aumentou de 19,2% para 51,8% do total (chocante, não é?), uma obrigação que os governos assumem para não deixar na mão os idosos do seu próprio regime e do geral, que é mantido pelo INSS.

Enquanto isso, o segundo, que tem sido a prioridade número um dos governos há muitos anos por razões óbvias (inclusive para Lula), passava de 9,1% para 16,4% do total. As duas juntas pularam de 28,3% para 68,2% do total, uma loucura...

A saída, então, é um grande esforço conjunto de zeragem dos déficits previdenciários da União e dos demais entes, até o final destes mandatos, conforme inclusive já manda a Constituição (§ 1º do Art. 9º da EC103 de 12/11/19), em que, nos outros entes, o problema é o mesmo e costuma ser transferido para a matriz... Isso se fará via mais reformas de regras, criação de fundos de previdência e aporte de ativos nesses fundos, como se fez, por exemplo, quando se criou a Previ, no Banco do Brasil.

O dinheiro economizado na redução e eventual eliminação dos déficits deve ser direcionado basicamente para assistência social e investimento, este já tendo desabado nove vezes dos anos 1980 para cá, quando medido em % do PIB. (Potencialmente, poderia até ser simplesmente economizado...).

E que Lula chame o Wellington Dias para coordenar esse trabalho, pois ele já aprendeu a fazer boa parte do dever de casa no seu recém findo mandato no Piauí.
Raul Velloso é consultor econômico