Paulo Baía, sociólogo e cientista político da UFRJDivulgação

Os partidos políticos e diversas organizações políticas avaliam a situação política do Brasil e das cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e demais com mais de 50 mil habitantes, como uma "questão de comunicação" e não como uma "questão sociológica" de consolidação de valores culturais, morais, estéticos, éticos, religiosos e afetivos na maioria da população, de adolescentes, jovens, adultos e idosos.
Acreditam que investir no "marketing político e eleitoral digital" é uma estratégia milagrosa para reverter a conjuntura local e nacional. Recusam-se a olhar de frente para as eleições de 2018 e de 2022, para o crescente sentimento de "rebeldia", "desolação" e agonia de considerável parcela da população. Temos uma "questão de valores sociais" que está sendo "negligenciada" nas análises, textos, falas e proposições.
Recomendo a leitura do livro "A Eleição Disruptiva: Por que Bolsonaro Venceu" de Maurício Moura e Juliano Corbellini. Sugiro a leitura de Idelber Avelar em seu "Eles em Nós: Retórica e antagonismo político no Brasil do século XXI". Não estamos vivendo uma "questão de comunicação", mas sim de mudança profunda dos "valores societais".
Lula venceu a eleição com uma diferença de dois milhões de votos para Jair Bolsonaro, que obteve 58 milhões de votos e eleitores convencidos, decididos. A nova Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro e os municípios da Região dos Lagos do Estado do Rio de Janeiro têm me ensinado muito, de 2018 até o dia de hoje. E 2026 já está aí em jogo.
A questão política da sociedade brasileira não é comunicacional, é de leitura efetivamente nova da sociedade urbana do tempo presente no Brasil. Desafios da hiper digitalização que está aumentando em progressão exponencial, as dinâmicas demográficas que ficam ocultas, a 'tecnoligização' do cotidiano, das intimidades, o radicalismo climático, estão em cada ato de cada um dos indivíduos da nova sociedade brasileira.
O ethos cultural mudou. Temos um fenômeno urbano, conturbado, demográfico, religioso e ético de novo tipo. Velhas leituras, com exceção da ficção literária, não ajudam a iniciar a compreensão desse ethos popular, de massa, do Brasil de 2023.
Paulo Baía é sociólogo, cientista político e professor da UFRJ