O sol estava preguiçoso e era verão. Eu havia, como na maioria dos dias, saído de casa de bicicleta. Era bom morar não tão longe do trabalho. Gosto de ir com calma. De fotografar com os olhos as cenas que dizem beleza no meu caminho.
Trabalho como garçom em um restaurante de saladas. As pessoas escolhem as verduras, os legumes, as frutas, os complementos, e os pratos são cuidadosamente preparados. Os molhos também são decididos. Azeite e limão, mostarda e mel, pesto, balsâmico e outros.
No dia do sol preguiçoso, um casal entrou e ela, gentilmente, pediu uma mesa. Eu os acompanhei. Perguntei se conheciam o restaurante. Expliquei das saladas e da escolha de uma proteína e, antes, de continuar perguntando sobre as bebidas, o senhor interpelou com alguma rispidez: "Vou ter que me levantar para fazer a salada?".
A senhora, oferecendo gentilezas, disse que faria isso, que ele poderia aguardar na mesa. Ele resmungou algo inaudível.
Ajudei-a com a cadeira e fui atender as mesas ao lado. Vi quando Catarina voltou com o prato do marido pronto: "Está bem, assim?". Ele foi ríspido na resposta: "Foi você quem escolheu o restaurante". Como se não tivesse escutado, ela prosseguiu: "Tem tudo o que você gosta". Foi aí que eu soube o seu nome, "Você não sabe o que eu gosto, Catarina".
Ela se foi para fazer o seu prato. Quando voltou, ele foi ainda mais grosso: "Que lerdeza, deve ter ficado jogando conversa fora, me deixou sozinho aqui, com a comida esfriando". Ela pareceu brincar: “A salada esfriando, meu bem?". E sorriu como se estivesse acostumada a viver sem gentilezas, como se não desse a ele o poder de acinzentar sua alegria.
"Você quer qual proteína?"
"Quero sossego", respondeu sem responder.
Ela pediu peixe para os dois. Eu anotei prontamente. Não sou de ouvir o que a mim não compete, mas o volume dos seus ditos podia ser facilmente acompanhado pelas mesas ao lado e por nós que servíamos no restaurante.
"Seus filhos são burros como você, o João é escravo da mulher, uma idiota."
"Como está o peixe, querido?”
"Esse restaurante não é bom.”
"Você gosta de palmito, está delicioso."
"Você precisa falar com a besta da Tânia, fez tudo errado.”
"Falo sim."
Não sei quem é Tânia, só sei que da sua boca nenhum nome nasceu sem alguma rispidez. Eu estava estupefato. O que aqueles dois faziam juntos? Por que ela autorizava aquele homem em sua vida?
Ana Paula, que trabalha comigo, comentou também: "Que homem indigesto". E, ainda, antes de pedirem a conta, quando ela perguntou a ele se queria sobremesa, veio a coroação: "Você não deveria comer doce, está gorda como uma porca, está igual sua mãe". Ela olhou nos meus olhos e disse gentilmente: "Dois cafés, por gentileza, e a conta".
Eu quis dizer que ela não estava gorda, que gordo estava ele. Eu quis dizer que ela não deveria aceitar servir a homem nenhum. Eu quis dizer que ela merecia uma alegria ensolarada. Eu quis dizer tanta coisa. Será que eu deveria ter dito? Será que o silêncio é, em alguns casos, irmão da covardia? Sei nada da vida dos dois como fazer para mudar o que não sei?
Eles se foram. Ele pagou em dinheiro e levou, inclusive, as moedas do troco. Contando uma a uma. Achou cara a conta. Levantou antes dela que ainda terminava o café.
Eu olhei para aquela mulher e incompreendi. A acinzentada alegria dela doeu em mim. Infelizmente, nem sempre temos o poder da escolha. O que sei eu de sua vida? Dos seus ontens? Das feridas já cicatrizadas e das que ainda doem.
Na bicicleta, voltando para casa, resolvi parar e comprar flores para Luciana, minha mulher. Quero dizer a ela da felicidade de estarmos juntos. Quero jurar delicadezas mesmo nos dias de sol preguiçoso. Mesmo no entardecer. Se for para viver sem amor, é melhor anoitecer separados...
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