Quando a tive no colo, os olhos abriram. Os dela e os meus. Ela ainda vendo o que não sabemos. O que veio com ela. Semente. Eu vendo a vida sendo milagre mais uma vez. Vendo o amor deixando o seguro corpo da mãe para ser corpo em um mundo desconhecido.
A mãe, Mariana, sorria o nascimento, depois do tempo da espera. O pai, Tony, era um, era muitos, era todos no apresentar à filha a vida nova, tão diferente do útero.

O mundo é útero, também. Vidas nascem enquanto vidas se preparam. Vidas brotam enquanto vidas sugam o alimento necessário para o desabrochar depois.
Maria Clara é linda. Em meu colo, senti a fragilidade e a potência de futuro, juntos. Oxalá todas as crianças nascessem na harmonia do amor. A música que tocava no quarto foi preparada. E, também, as primeiras roupas. E, também, os carinhos para os amigos.
Eu vi o primeiro banho. O primeiro balançar do corpo. O choro e o silêncio. O alimento da mãe. É um desenho dos céus ver uma criança amamentando. Mariana olhava a filha que apenas sentia ser dela o que vinha da mãe.
Nunca mais os pais são os mesmos depois da chegada dos filhos. Em um instante, o maior amor do mundo é um ser envolto em necessidades, que nada faz sem o outro, que nada é sem o outro.
O crescer de Maria Clara e de todas as Marias e Claras e Josés ou Franciscos depende do suprir das necessidades, depende do cultivo correto. Nascemos sementes apenas. Nascemos fontes. Nascemos nascimentos. E todos os dias nascemos novamente. Como os dias. E também morremos. Como os dias.
O dia em que nasceu Maria Clara foi o 8 de fevereiro. Um pouco antes do dia em que um dia nasceu minha mãe, bisavó de Maria Clara. Somos um punhado de tantos ontens. Fomos também plenos de necessidades. Não que as necessidades cessem. São outras, entretanto. O cantar canções que lembrem a leveza que podemos oferecer aos dias. O dizer palavras que entrem em um mundo imenso mesmo de um ser tão pequeno.
Amanhã, Maria Clara dirá palavras, escolherá danças, decidirá sobre os sins e os sobre os nãos, trilhará caminhos. Hoje, os caminhantes ensinadores dos caminhos somos nós. Os que um dia aprenderam, os que aprendem sempre.
Tony, o pai de Maria Clara, é meu sobrinho. Meu sobrinho filho. Também o vi ao nascer e também olhei nos seus olhos quando os seus olhos olhavam o que não sabemos. De semente se fez homem decidido a ser forte o suficiente para oferecer morada segura a quem dele se aproxima. É lindo de ver o florescer cotidiano de sua generosidade.
No quarto do início da Maria Clara, imagens bonitas e enfeites graciosos para dizer ‘bem-vinda’. Quando a tive no colo, tive o desejo de dizer a ela que o mundo era lindo e que a bondade era o valor mais importante que unia os diferentes em torno do caminho comum até a eternidade.
Tive vontade de dizer que a compaixão é amiga de toda gente. Que as agressões foram embora há muito tempo. Que, há muito tempo, não compartilhamos a mentira. Que a natureza nos inspira a compreender que não precisamos de tanto, que o que precisamos de mais importante é o que temos desde sempre. É o que nunca deixa de ser da gente. Tive vontade, mas não disse. Ainda não é assim que é. Quem sabe seja? Quem sabe seja com ela?
Os meus olhos, um dia, se abriram e, um dia, a minha alma compreendeu o bonito de se abrir ao outro. E todas as vezes que eu errei, que eu esqueci, eu tive a memória dentro de mim dizendo para voltar para o caminho correto, para jamais desistir do amar.
Em um dia em que o amor clareou o mundo, nasceu Maria Clara.