Antonio BragaDivulgação

A onda de calor que o Rio de Janeiro vive nesses dias é reflexo do aquecimento global, que provoca uma mudança climática e afeta a todos. O clima em nosso planeta está mudando e as temperaturas médias da superfície global continuam a aumentar a uma taxa de 0,2 °C ± 0,1 °C por década, resultando em temperaturas sazonais mais altas e ondas de calor mais frequentes e intensas. Sabemos que o calor vem acompanhado de incêndios devastadores, como os que vimos na Califórnia, além de chuvas fortes, com risco de alagamentos, como ocorreu no Rio Grande do Sul; mas pouco se fala no impacto do aquecimento global na saúde das pessoas.

Temperaturas elevadas afetam, especialmente, recém-nascidos (impactando na mortalidade infantil) e idosos (aumentando a ocorrência de infartos), mas podem também trazer prejuízos importantes para gestantes e seus bebês.

O aumento da temperatura está associado com a ocorrência de complicações para o binômio materno e perinatal que precisam ser divulgadas. Espera-se, em algumas áreas dos Estados Unidos, um aumento de até 60% na incidência de malformações cardíacas congênitas até 2035 devido à exposição pré-natal ao calor excessivo, que também pode estar associado com a ocorrência de defeitos do tubo neural e malformações orofaciais.

Isso sem contar a maior ocorrência de abortamento, mortes de fetos intraútero, parto prematuro, pré-eclampsia e nascimento de bebês com baixo peso. A saúde mental da grávida também piora em temperaturas extremas, associando-se com noites mal dormidas, estresse ao longo do dia e maior chance de apresentar depressão pós-parto.

A amamentação é outro fator prejudicado pelo calor. Estudo mostrou que nos dias mais quentes as mulheres amamentavam 25 minutos a menos e o aleitamento materno exclusivo teve menor adesão. À medida que as temperaturas aumentavam, as mulheres tendiam a fornecer água ao invés de leite materno para seus filhos recém-nascidos.

As modificações fisiológicas no organismo materno, essenciais para a manutenção da gestação, tornam as grávidas extremamente vulneráveis a esse desafio climático. Embora ainda não estejam bem esclarecidas as vias de atuação das altas temperaturas nesses desfechos obstétricos, evidências preliminares, em modelo animal, sugerem que o calor extremo promova mudanças epigenéticas que alteram desde o desenvolvimento do bebê (levando ao abortamento e às malformações), até a redução no fluxo sanguíneo placentário, prejudicando sua função primordial na gestação (levando a morte fetal, parto prematuro e nascimento de bebês pequenos).

Diante do cenário em que alertas de ondas de calor passarão a ser cada vez mais frequentes, é importante que as grávidas sejam orientadas a se proteger. Evitar sair de casa nos horários de pico da exposição solar e, quando for necessário fazê-lo, hidratar-se frequentemente e usar proteção contra os raios solares. Os serviços de saúde devem ofertar espaços com resfriamento nas unidades de atenção primária, durante as consultas de pré-natal, e nas maternidades. Não custa lembrar que durante o trabalho de parto, a dieta das mulheres não deve restringir o consumo de líquidos, ainda mais nos dias mais quentes, quando a desidratação ocorre mais rapidamente.

Por fim, nos casos extremos, alertas avisando a população sobre os dias mais quentes precisam ser emitidos e respeitados. Enquanto a sociedade não se organizar para enfrentar esse grave problema ambiental, precisamos proteger nossas gestantes e seus bebês, em especial as que vivem sob vulnerabilidades, e que são as que mais sofrem as consequências desse calor desmedido que temos vivido.
Antonio Braga é médico e coordenador estadual da Saúde das Mulheres do Rio de Janeiro