Antônio Geraldo da SilvaDivulgação

Nesta semana, recebi em meu consultório um paciente que buscava atendimento psiquiátrico pela primeira vez. Visivelmente constrangido, ele me olhou com alguma surpresa e disse que decidiu marcar a consulta depois de me ver em uma entrevista na televisão. O que mais lhe chamou atenção, segundo suas palavras, foi o fato de eu parecer um “médico normal”. Sorri com leveza e perguntei o que ele queria dizer com isso. Ele hesitou, depois respondeu que sempre imaginou os psiquiatras como figuras excêntricas, de semblante enigmático ou de fala incompreensível, como se pertencessem a um mundo à parte. E completou dizendo que, por considerar seus problemas “simples demais”, nunca se viu como alguém que pudesse, ou devesse, procurar um profissional da área.
Não foi a primeira vez que ouvi algo assim. Em mais de três décadas de exercício da psiquiatria, aprendi que esse estranhamento em relação à nossa especialidade não é raro. Muitos pacientes chegam ao consultório imaginando que encontrarão alguém parecido com o Dr. Hannibal Lecter, do filme O Silêncio dos Inocentes, ou com o inquietante Dr. Seward de Drácula, sempre envolvidos em tramas sombrias ou mergulhados em enigmas indecifráveis. Poucos imaginam que somos, antes de tudo, médicos, pessoas reais, acessíveis, éticas e profundamente comprometidas com a subjetividade humana.
O estigma em torno da psiquiatria não nasceu por acaso. Ele é alimentado por décadas de desinformação, por representações estereotipadas na cultura e pela tentativa histórica de afastar a loucura do convívio social. Quem leu O Alienista, de Machado de Assis, talvez se lembre de como o doutor Simão Bacamarte se transforma em uma caricatura de si mesmo, enclausurando todos os que não se enquadram em seu padrão de normalidade. A crítica mordaz de Machado atravessa séculos e ainda ressoa na ideia equivocada de que psiquiatras são figuras autoritárias, distantes e perigosamente obsessivas.
Mas também há nuances e tentativas de redenção. No cinema, há personagens como o Dr. Malcolm Crowe, interpretado por Bruce Willis em O Sexto Sentido, ou o Dr. Sean Maguire, vivido por Robin Williams em Gênio Indomável. Esses retratos oferecem algo mais próximo do que realmente somos: profissionais que escutam, que acolhem, que constroem vínculos. Ainda assim, há um longo caminho entre essas representações mais sensíveis e a percepção social generalizada sobre a nossa atuação.
Durante minha consulta, é natural às vezes também tratar desse mérito. Alguns pacientes me dizem que demoraram anos para admitir que precisavam de ajuda. Tinham medo do julgamento, de parecerem frágeis por procurarem um psiquiatra. Relatam que cresceram ouvindo que saúde mental era frescura, que tristeza se resolvia com força de vontade, que ansiedade era sinal de fraqueza. Nenhuma dessas ideias são novidades. São mitos que continuam circulando, minando a possibilidade de cuidado e impedindo milhares de pessoas de acessar um tratamento adequado.
Aproveito sempre para explicar algo que considero essencial: assim como fazemos check-ups periódicos do corpo, exames de sangue, eletrocardiograma e outros cuidados preventivos, também deveríamos fazer check-ups da mente. Buscar um psiquiatra não precisa, nem deveria, ser um recurso exclusivo para quando tudo já está em colapso. Às vezes, o que percebemos como “problemas simples demais” são, na verdade, sinais iniciais de algo que pode se intensificar com o tempo. O cuidado preventivo em saúde mental é um investimento poderoso na preservação da qualidade de vida. Então, fica aqui o convite: faça também seu check-up com seu médico psiquiatra.
Esse meu paciente saiu da consulta visivelmente mais tranquilo. Disse que não imaginava que uma consulta pudesse lhe fazer tão bem. Sorriu ao dizer que agora entendia por que eu parecia um “médico normal”. Respondi que talvez ele quisesse dizer um médico humano. Porque é disso que se trata: de sermos profissionais preparados, sim, mas também sensíveis, próximos, atentos às sutilezas da dor que não aparece em exames de imagem ou em resultados laboratoriais.
A psiquiatria é, a meu ver, uma das mais belas expressões da medicina. É onde ciência e escuta se encontram, onde o diagnóstico depende tanto do saber técnico quanto da delicadeza da presença. É uma profissão que exige estudo, rigor, responsabilidade, mas também generosidade. E, para além de qualquer estigma, é preciso reafirmar: cuidar da saúde mental não é um luxo, é um direito. E procurar um psiquiatra não é sinal de fraqueza, é um gesto de coragem, inteligência e amor-próprio.
Agosto, mês do psiquiatra. Se precisar, peça ajuda!
Antônio Geraldo da Silva é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria