Maria Eugênia começou fazendo bazar de suas próprias roupas e abriu seu brechó em 2017, em CopacabanaPedro Ivo / Agência O DIA

Rio - Um hobby que se transformou em um negócio: o brechó faz parte da vida de Maria Eugênia, de 31 anos. O bazar erguido com as amigas para vender roupas que eram da adolescência virou a principal fonte de renda da cineasta, que decidiu abrir uma loja de artigos de segunda mão em 2017. Atualmente, esse tipo de comércio está em alta, sendo uma alternativa para quem não quer deixar de usar determinada marca e gastar menos. De acordo com o Sebrae, os brechós ganharam ainda mais força durante a pandemia, sendo registrados 2.308 pequenos negócios abertos do segmento somente no primeiro semestre deste ano - 74 a mais do que o mesmo período de 2021.


Maria Eugênia contou ao DIA que sempre trabalhou com comércio porque não estava satisfeita com a sua área. Ela aproveitou para fazer um curso de design de moda e passou a organizar eventos de bazar com as suas amigas. Tudo começou dentro de seu apartamento, apenas para pessoas conhecidas, até que tomou uma proporção maior. "Eu comecei a fazer no play da minha mãe porque estava vindo muita gente, de outros nichos, amigos de amigos, pessoas que eu nem conhecia".

Quando concluiu o seu curso, ela decidiu empreender, abrindo um brechó em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro. "Eu não queria mais trabalhar para grandes marcas, então preferi abrir um pequeno negócio. No começo fui atrás de conhecidos para pegar roupas e ter peças na loja, e com o tempo fui fazendo público, conhecendo gente e garimpando. Hoje estou aqui há cinco anos", disse.

Segundo Maria Eugênia, o início não foi fácil. Nem todos os clientes eram adeptos ao segmento e ainda havia muito preconceito entre o público consumudor. "Muitos entravam na loja e me perguntavam se era roupa usada, faziam cara de nojo. Essa pergunta ainda existe hoje em dia, mas muito menos. Quando as pessoas percebem que é brechó, elas amam. A reação agora é muito mais positiva do que antigamente. Acredito que seja por mil fatores, como a conscientização de que precisamos urgentemente mudar nossa forma de consumo buscando vias sustentáveis. Também tem gente que vem por causa da crise, porque gostam de tal marca e não tem mais como comprar direto na loja. Enfim, os preços abusivos acabam fazendo a procura ser maior".
Mas, engana-se quem pensa que não tem procura por roupa de fim de ano nos bazares. "Antigamente, chegava o período de final de ano, as pessoas que amavam comprar em brechó sumiam, preferiam uma roupa nova para as festas de Natal e Réveillon. Hoje, isso mudou", finalizou Maria Eugênia. 
A especialista de moda do Senac-RJ, Cynthia Storck, explica que um dos motivos dos brechós estarem em alta é a preocupação do consumidor com a sustentabilidade. "Comprar em brechós, além de adquirir peças com preços menores do que nas lojas tradicionais, é uma oportunidade de renovar o guarda-roupa, com impacto socioambiental positivo. Há bazares que vendem peças de segunda mão e também aqueles que alugam. É uma tendência de consumo forte que vem de encontro com as redes de fast-fashion, conhecidas por produzirem roupas em grandes quantidades promovendo o consumo exagerado".

Ela também afirmou que a procura pelo estilo mais vintage é, principalmente, por causa da história. Para quem vende, é uma fonte de renda extra. Para quem compra, é uma oportunidade de consumir com consciência e responsabilidade, a preços mais acessíveis. "Peças de família ou encontradas em brechós especializados em vintage possuem um valor sentimental que é atemporal. Isso não quer dizer que o estilo se relaciona com roupas baratas ou sem qualidade. Para quem empreende nesse mercado, é necessário ser muito criterioso com as peças que serão compradas e vendidas para operar de forma segura". 

O costume de comprar em lojas de shopping mudou. A publicitária Luiza Dupim, 29, prefere adquirir roupas de segunda mão de conhecidos ou até mesmo de brechó, seja pelo estilo ou pelo preço. "Eu prefiro comprar dessa forma do que em lojas ou sites. Primeiramente por causa do preço, porque são sempre roupas mais baratas e, segundo, por me identificar com o estilo. Quando eu compro de amigos, eu já conheço o corpo da pessoa, sei como fica e sei que vai combinar comigo. Acho uma compra mais certeira, melhor do que ficar procurando algo que pareça comigo. Além disso, penso na questão da sustentabilidade, a indústria da moda contribui muito para o excesso de lixo e para o desperdício também, usando trabalho escravo para produção das peças", explicou.
De acordo com a analista do Sebrae Rio, Ana Carolina Damasio, os consumidores não veem somente uma oportunidade de compra no bazar, mas um produto bom, peça única e exclusividade. "Também tem a questão do valor acessível, que são preços atrativos, e também estamos tendo o apelo crescente de práticas sustentáveis. É nesse cenário que há a atenção de quem quer empreender. Os empresários querem ter uma pegada sustentável também", pontuou Ana Carolina.

Para a comerciante Flávia Millar, 61, o preconceito com o brechó ainda é um obstáculo. "Ainda há certa resistência de presentear terceiros, por exemplo, visto que a maioria dos estabelecimentos não efetua troca ou porque não se sentem tão seguros de como a presenteada receberá a peça. Muitos ainda preferem as roupas com etiquetas, que são novas e nunca foram usadas".
No entanto, mesmo com algumas dificuldades, Flávia conseguiu formar um público específico de mulheres mais maduras que gostam da curadoria da loja. "Eu gosto muito de gente, de conversar, procuro fazer tudo com carinho e atenção. Os meus clientes, em geral, são mulheres que trabalham ou aposentadas, não é um público tão jovem. Estou nesse ramo há cinco anos e muito feliz porque tenho cliente do Brasil inteiro", celebrou. "Mas, uma coisa é fato: as opiniões mudaram muito com o passar do tempo. O pessoal está mais preocupado com o destino do planeta. Chega de produzir, criar lixo, trabalho escravo. Chega", finalizou.

O coordenador do MBA em Gestão Financeira da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), Ricardo Teixeira, explicou que o Brasil não tem o hábito de fazer compras em lojas de artigos de segunda mão porque as pessoas acham que são produtos desgastados, velhos, sem uso. "Há três aspectos para se observar: os produtos de bazar não necessariamente são muito usados, alguns são até novos, com etiquetas; a moda hoje é o indivíduo que faz e dá para economizar comprando em brechó".
Segundo ele, em grandes cidades como Londres, Nova York, Rio de Janeiro, São Paulo, esse tipo de segmento sempre foi um sucesso por causa do público que frequenta, geralmente mais descolado. Além disso, o empreendimento é visto como algo econômico e duradouro, sendo muita das vezes uma compra mais vantajosa.

Bazar online

Além das lojas físicas, há também os brechós online, criados através de perfis nas redes sociais. Lá, o empreendedor tira fotos da roupa, informa o tamanho, às vezes até prova a peça para mostrar o caimento, e publica. É o caso do bazar Vendinhas da Taty, da administradora Tatiana Jardim Varela, 41, feito em um ambiente totalmente virtual, com mais de quatro mil seguidores no Instagram. Tatiana começou o negócio de forma despretensiosa, mas decidiu mergulhar de cabeça quando seu marido perdeu um de seus empregos.

"Eu comecei vendendo roupas do meu filho porque via que elas eram pouco usadas e achava um pecado jogá-las fora ou não aproveitar. Mas, eu também gostava de comprar peças caras, de grife, em bazar. Eu amava esse universo já. Fui tomando mais gosto pela moda sustentável e, quando meu marido perdeu um de seus trabalhos, eu precisei realmente fazer disso uma segunda renda. Foi quando investi e passei a levar mais a sério, até que o negócio foi crescendo e quando vi já estava com 200 fornecedores que foram me indicando e me ajudando", contou

Segundo Tatiana, a procura aumentou muito neste período de Natal. "Muita gente comprando pela primeira vez também em brechó. Essa ideia peça fedorenta, velha ou rasgada, está sendo desmistificada. Tenho clientes comprando até mesmo para dar de presente, ou para usar nas festas de fim de ano. Quando me falam que é para presente eu até faço um embrulho diferenciado".

Depois de ficar quatro meses na Bahia, a designer Isabela Carvalho, 26, voltou com o objetivo de fazer uma geral no seu armário. A partir de então, teve a ideia de criar um bazar online, para desapegar das roupas. "Quando eu voltei de viagem, sentia que não me identificava mais com as coisas que eu tinha. Então, fiz uma geral. Normalmente, coloco para doação, mas dessa vez eu quis fazer um desapego. Fiquei com medo no início, mas aí minha amiga também estava com algumas peças separadas, aproveitamos e criamos um perfil para o nosso negócio. Como sou designer, eu fiz a logo, a identidade visual, pensei no nome, tudo direito. Até que lançamos e foi fluindo, o pessoal foi comprando. Teve até um pai que comprou cinco roupas para a sua filha, achamos um gesto muito legal".