Yasmin Pereira colocou as tranças para o Rock in Rio, mas a chuva junto com a pomada causou queimadura nos olhosArquivo Pessoal

Rio - A última semana do ano reúne dois dos eventos mais celebrados no mundo: o Réveillon e o Natal. A época costuma ser de comemorações, festas e novos visuais como o uso de tranças no cabelo. Contudo, também traz uma preocupação sobre o risco que pomadas e cosméticos utilizados para fixação podem causar caso escorram para os olhos das pessoas. Produtos não regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) podem causar até cegueira.
Na última segunda-feira (26), o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, especializado em tratamento oftalmológico, atendeu 130 pessoas com algum tipo de problema na visão. Destes, 84 pacientes receberam cuidados por causa de pomadas para fazer penteados. A maioria oriundas de tranças e 'baby hair', que é um estilo que trabalha com fios mais finos e novos.
Esse número veio diminuindo no decorrer dos dias até esta sexta-feira (30), mas ainda causa preocupação conforme informou a oftalmologista Anna Beatriz Simões em conversa com o DIA. A médica revelou que o uso de produtos não regulamentados pela Anvisa pode contribuir com danos irreversíveis caso atinjam os olhos das pessoas, como a perda da visão.
"De forma mais aguda, a pessoa já tem um embaçamento visual. Nós conseguimos fazer exames e identificamos a ceratite, que é a queimadura que tem na córnea por substâncias químicas. É uma dor intensa que impossibilita de fazer qualquer coisa. Se em um grão de areia nós já ficamos desesperados, a sensação é que tem um caminhão. Pode ocorrer uma queimadura a ponto de danificar todas as camadas da visão e levar a cegueira sim. O importante é frisar que as pomadas devem ser usadas com apoio da Anvisa", explicou a doutora.
Segundo a oftalmologista, os problemas na visão costumam acontecer quando as pessoas passam a mão no cabelo e coçam o olho. Também pode acontecer por meios naturais como o suor e a chuva que escorrem o produto. A expectativa é que os atendimentos voltem a aumentar pós-Réveillon.
"No pós-feriado de Natal, houve um aumento nesses casos. Geralmente, isso acontece em datas festivas. O que vai acontecer, provavelmente, é aumentar no Réveillon. Há uma possibilidade de chuva e o cabelo vai molhar. Se tiver calor, pode haver um banho de mar ou de piscina. Acredito que vai haver sim um aumento nos casos", completou Anna Beatriz.
Risco para crianças
A especialista ressaltou que tiveram muitas crianças atendidas nesta semana com problemas na visão decorrentes de pomadas para tranças. As irmãs Kauanne da Silva, de 5 anos, e Bruna da Silva, 3, foram duas delas. De acordo com a vendedora Keyla da Cruz, 23, mãe das meninas, o problema começou no domingo (25) depois de fazer a trança e lavar o cabelo.
"Aconteceu com as minhas duas filhas. Eu lavei a cabeça delas normal e fui dar almoço. Elas saíram do banho já com o olho vermelho. Na hora que elas estavam comendo, elas coçaram e começaram a gritar. Os olhos das duas ficaram fechados no domingo. Foi a primeira vez que isso aconteceu e me assustou muito. Pensei que elas iam ficar cegas", disse a moradora de Engenho de Dentro.
Keyla revelou que procurou o atendimento no Souza Aguiar na segunda-feira (26). A filha mais nova estava recuperada do problema na terça-feira (27), mas a mais velha continua com o acompanhamento médico utilizando colírio e medicamentos.
"Fiz nelas para passar o Natal. Não vou fazer nunca mais na minha vida. A primeira e última vez. A minha estava marcada para o ano novo, mas nem vou fazer. A de cinco anos me deu muita dor de cabeça. O olho ficou inchado. Está um grande e um pequeno", contou Keyla.
Por causa do risco, a doutora Anna Beatriz orienta que as pessoas lavem os cabelos de cabeça para trás e evitem molhar os olhos. Também é recomendado o uso de lágrimas artificiais e pomadas cicatrizantes. Em casos mais graves, as vítimas são orientadas a procurar um atendimento médico.
"Sensação de uma faca enfiada no meu olho"
O uso de tranças no cabelo não acontece apenas no Natal e no Réveillon, mas sim em todo o decorrer do ano. A advogada Yasmin Alarcão Pereira, 26, adotou o visual para ir ao Rock in Rio, evento realizado em setembro deste ano na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Acontece que, no dia em que ela foi, choveu bastante, o que contribuiu para uma queimadura na visão depois que a pomada que utilizava caiu no seu olho.
Yasmin contou que os problemas começaram quando a visão ficou esbranquiçada. Ela entendeu que poderia ter sido a maquiagem ou até o próprio óculos que utilizava no evento. No dia seguinte, ela revelou que acordou com os olhos grudados, tendo que utilizar as mãos para abri-los. Em uma clínica especializada, Yasmin foi diagnosticada com ceratite de contato, ou seja, uma queimadura por causa do produto químico que entrou em seus olhos.
"A médica falou que eu tive uma lesão muito grave. Meu olho estava todo verde. Ela falou que eu tive uma ceratite de contato que é uma queimadura na córnea por causa do contato do produto com o olho. A água fez essa reação química e minha córnea ficou toda queimada. Na hora que ela pingou o colírio que eu tinha que usar, doeu muito. Era como se fosse uma sensação de uma faca sendo enfiada no meu olho. Além de eu não estar enxergando nada, doía", disse a advogada.
Segundo Yasmin, ela ficou cinco dias sem conseguir abrir os olhos por causa da dor que isso causava. Ela chegou a questionar a trancista sobre o assunto, mas a profissional teria falado que a pomada usada não tinha marca e provavelmente seria uma fabricação caseira, assim nem sendo regulamentada pela Anvisa.
"Ela me pediu desculpas. A única coisa que eu alertei é que ela não me falou que se houvesse contato de água com meu cabelo, se fosse pro olho, poderia acontecer esse fato da queimadura. Ela não me avisou sobre nada. Foi bem complicado e um susto. Por um momento, achei que poderia ficar cega", completou.
Pedido de fiscalização
O enfermeiro Carlos Henrique, 29, pediu um apoio maior de autoridades sobre o tema. Ele também passou por um problema neste mês de dezembro depois de colocar tranças e pegar chuva em um evento em um local aberto. Segundo o morador de Honório Gurgel, ele conseguiu tirar crostas de pomadas que estavam presas em seus olhos, mas a dor que sentia o incomodava.
"Eu fiquei com bastante medo de perder a minha a visão. Na hora, foi um susto e um desespero muito grande. Não conseguia ficar com o olho aberto. Eu fico bastante preocupado porque tem bastante gente passando por isso. Ainda mais final de ano. Imagina na praia de Copacabana que vai chover? Quem tiver com pomada no cabelo, corre um grande risco. Acredito que a fiscalização e a Anvisa tinham que tomar uma atitude para tirar esses produtos do mercado. A gente vê que não tem nenhum controle e são pomadas tóxicas", ressaltou o enfermeiro.
A Anvisa informou que trabalhando sobre esse tema e dando orientações para a sociedade sobre produtos não regularizados. No dia 13 de dezembro, a agência publicou um alerta sobre a ocorrência de cegueira temporária, entre outros efeitos indesejáveis, supostamente ocasionada por produtos para trançar e modelar cabelos comercializados no país.
O órgão solicita que qualquer ocorrência que causar um efeito indesejável à saúde seja informado através de seu site. A Anvisa também orientou que os profissionais utilizem apenas produtos regulamentados, respeitem as recomendações dos fabricantes, higienizem as mãos e busquem cosméticos naturais. Aos consumidores, a agência recomenda que evitem banhos de mar e piscina e lavem os cabelos de forma cuidadosa.