Cooperativa que participou da ação de reciclagem na Sapucaí, funciona em Cascadura, Zona Norte do Rio. Na foto, Roger Alves e Michele Rodrigues Reginaldo Pimenta / Agencia O Dia

Rio - É da coleta seletiva que vem o sustento da catadora Michele Rodrigues, de 38 anos, moradora de Anchieta, Zona Norte do Rio. Com o dinheiro que recebe, ela paga o aluguel e ajuda filhas e netos. Há seis meses trabalhando na área da Marquês de Sapucaí, Michele entrou pela primeira vez no Sambódromo para participar da ação Cada Lata Conta da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio (Abralatas) junto com a a cooperativa Cootrabom. O projeto faz parte do programa Recicla Sapucaí, parceria entre o Sesc-RJ e a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa). Foram cerca de 10 toneladas de latinhas recolhidas durante os eventos na Avenida, o que fez o projeto ganhar o título brasileiro no Guinness Book de maior ação de reciclagem de latas de alumínio do mundo. 


"Eu aprendi muita coisa com a coleta seletiva. É com esse trabalho que coloco comida na mesa e ajudo minha família. Os dias de Sapucaí foram incríveis, conheci pessoas que trabalham nessa área há 14 anos e me ensinaram bastante coisa. Deveriam falar mais sobre o nosso trabalho que é muito importante. Para muitos, o lixo é apenas lixo. Para mim, é o meu sustento", disse Michele, que participou da ação com mais de 100 catadores.

De acordo com o coordenador da cooperativa Cootrabom, que faz parte da rede ReciclaRio, Luís Santiago, 68, o propósito no carnaval na Sapucaí era bater 3 toneladas de latinhas, mas eles conseguiram ir além e coletaram 5,9 toneladas, quase o dobro da estimativa. Esse material será vendido às indústrias, que devolverão ao mercado. "Nós temos uma parceria hoje com a empresa Abre Latas, que representa a indústria da reciclagem das latinhas. Eles pegam o material, devolvem para a indústria que paga um valor de R$ 3 por quilo de lata e esse dinheiro será dividido entre os cooperados que trabalharam na Marquês de Sapucaí".

Foram três principais redes escolhidas pelo projeto Abralatas para atuar nos desfiles: Recicla Rio, Movimento e Febracom — no total, 30 coletores só da companhia de Santiago. "Além das latas, também recolhemos uma boa quantidade de plástico que dá para a gente levantar uma toneladas também. Esse trabalho é muito importante não apenas para o meio ambiente, mas para o cooperado também, já que é uma fonte de renda extra. Nós trabalhamos o ano todo, não apenas no Carnaval. Temos uma dinâmica anual de trabalho. Esse evento faz diferença no orçamento dos catadores", salientou Santiago.

Segundo ele, grande parte dos coletores são moradores de comunidade e pessoas de baixa renda. O trabalho de reciclagem ajuda a gerar renda para quem não consegue emprego. "Acredito que a importância em si da reciclagem é inserir no mercado pessoas que estão fora dele por questão de baixa educação, de falta de qualificação ou qualquer outro fator. Nós conseguimos colocar essas pessoas trabalhando e pagar um salário mínimo independente se ela sabe ler ou não, idade ou classe social".

A Abralatas ressaltou, através de nota, que o projeto Cada Lata Conta "além de conscientizar as pessoas sobre a importância da reciclagem, protegem o meio ambiente, promovendo inclusão social e gerando renda para dezenas de catadores". A ideia da iniciativa, segundo a associação, é fazer o Carnaval do Rio ainda mais famoso mundialmente, dessa vez sendo conhecido também pela sustentabilidade e pelo selo “lixo zero”.

"A reciclagem é mais necessária do que a gente imagina. Quando uma pessoa joga um papel no chão, ela não imagina que está jogando no mar. Qualquer coisa que vai para o bueiro vai parar no mar, inclusive plástico, que está prejudicando a vida marinha. Precisamos de conscientização ambiental", declarou Santiago. "Se a reciclagem não acontecer, em breve não teremos mar. A Comlurb não dá conta de tudo sozinha, precisamos do apoio da prefeitura e dos órgãos públicos. A coleta seletiva é importante, é uma questão política".

Os catadores trabalharam de 19h às 7h durante a folia na Sapucaí, tendo pausas para café da manhã e jantar. Eles receberam uma diária de R$ 100.

Para o coletor Roger Alves, 29, que está há cinco anos no ramo, trabalhar na Avenida foi um momento único. Sua história começou quando se viu desemprego e desesperado precisando de emprego. Hoje, sua fonte de renda vem toda da reciclagem. "Foi uma experiência sem igual fazer o que eu amo em um lugar como aquele. Isso me fez muito bem. A coleta seletiva gera emprego, renda e leva sustento às famílias, coloca comida na mesa e traz benefícios, tirando as pessoas da pobreza. Nada me falta, graças a Deus".

O presidente da Liesa, Jorge Perlingeiro, não escondeu a felicidade do sucesso da coleta na Marquês de Sapucaí. "Essa parceria agora ficou oficializada e temos um vínculo maior. Já sabemos a importância da sustentabilidade, não só para o meio ambiente mas também para os coletores. Eles vivem disso e tem grupos que estão há anos fazendo esse tipo de trabalho. É uma prestação de serviço muito bonita".

Perlingeiro ainda ressaltou que o carnaval gera milhões de toneladas de lixo e que a Cidade do Samba será muito produtiva para os recicladores quando as escolas começarem o desmonte dos carros alegóricos. "Muito material bom é descartado, com isopor, papelão, madeira, coisas que podem ser aproveitadas. As escolas maiores também doam esses elementos para as menores, que vão utilizar em futuros desfiles. A parceria foi excelente e vamos ter outras ações para além do Carnaval".

Coleta importante para o Rio

O ambientalista Sérgio Ricardo Potiguara, cofundador do movimento Baía Viva, explicou que a capital do Rio produz cerca de 10 mil toneladas de lixo por dia e destacou a necessidade de se levar a coleta seletiva a sério. "Só a Baía de Guanabara recebe 90 toneladas de lixo por dia e, como resultado, há uma poluição visual, perda da economia, no caso, da pesca, prejudica os pescadores e o meio ambiente. Várias espécies marinhas estão ameaçadas de extinção, grande parte por causa do lixo plástico".

Além da importância social, Sérgio destacou que a reciclagem agrega trabalho para uma população de menor renda e escolaridade e também ajuda o meio ambiente. "Nesse período de Carnaval, os catadores conseguiram fazer um trabalho incrível e ganharam um dinheiro extra, mas o ano tem 365 dias, o Rio precisa incentivar a reciclagem e ajudar essas cooperativas. Falta apoio e infraestrutura para que esse trabalho seja realizado, é necessário galpão, caminhão, prensa e equipamentos de proteção individual para eles trabalharem. Falta política pública consistente".

Além das cooperativas que fizeram o trabalho de coleta seletiva no Sambódromo, a Comlurb também colocou o seu bloco na Avenida. Foram 366 toneladas de lixo recolhido pelo órgão, entre eles 336 de orgânicos e 30 de recicláveis. Com os blocos de rua e a Nova Intendente, o total dos dias de folia ficou em média de 970,7 toneladas, 200 a mais do último carnaval pré-pandemia em 2020, que teve um total de 709 toneladas com o desfile das campeãs.

De acordo com o presidente da Comlurb, Flávio Lopes, a quantidade de resíduos recolhidos é reflexo da cidade cheia devido ao grande número de turistas. "É bom que gira a economia e gera emprego, mas o tamanho do nosso desafio de manter a cidade limpa é ainda maior. O objetivo do prefeito é que esse ano fosse ainda mais organizado, tanto nos blocos quanto na Sapucaí", disse.

"Nos blocos de rua, quando já estão no fim, a Comlurb vai atrás limpando, passando água e até mesmo cheiro de eucalipto. Já no Sambódromo, tudo é mais consolidado porque é o mesmo processo há anos. Temos um intervalo muito curto, 15 minutos, para devolver a pista entre uma escola e outra. Logisticamente, é muito bonito de se ver", completou.

Flávio informou ainda que a Comlurb não faz coletiva seletiva na Sapucaí, mas disponibiliza o serviço à população durante todo o ano. No entanto, é necessário que o morador se cadastre através do site da companhia para usufruir do benefício. "A gente avisa o dia que irão passar no local e esse material reciclável é recolhido. Com isso, levamos ele até as cooperativas cadastradas conosco. No geral, é muito importante termos esse projeto na Sapucaí, porque é ambientalmente correto e ajuda a diminuir o impacto na natureza, e gira a economia também, ajudando as pessoas que vivem disso. A coleta também nos ajuda a reduzir o volume de lixo que recolhemos no Sambódromo".
Recicla Sapucaí
A estratégia da parceria da Fecomércio RJ (Sesc RJ e Senac RJ) e a Liesa está seguindo por duas frentes. Quinze máquinas de corte e fragmentação de metais, plásticos e vidros estão sendo dispostas pela Avenida para que o público deposite os resíduos, enquanto agentes fazem o trabalho de conscientização dos consumidores.
Em paralelo, catadores de cooperativas do Rio de Janeiro fazem a coleta, a triagem e a destinação correta de resíduos. O Programa Cada Lata Conta, parceiro da ação, conta com mais de 100 catadores para cuidar da lata de alumínio para bebidas. Todo material recolhido será dos próprios catadores e revertido em renda.
O programa integra uma série de ações. O apoio das instituições ao desfile foi costurado com o objetivo de proporcionar a experiência do carnaval a alunos dos cursos do Senac e a participantes de projetos sociais do Sesc, além de fomentar o turismo e o comércio no Rio.