Ação da Polícia Civil e Bope na MaréPedro Ivo

Rio - O número de mortes durante operações policiais no Complexo da Maré aumentou 145% em 2022. A estatística foi divulgada, nesta segunda-feira (13), pela ONG Redes Maré, no 7º Boletim Direito à Segurança Pública da Maré, que estuda o impacto da violência armada no território das localidades que integram o conjunto de favelas.

De acordo com o levantamento, foram registradas 39 mortes por armas de fogo nas 16 comunidades que compõem o Complexo da Maré, sendo 27 delas em contexto de operações policiais. Desse total, o levantamento indica ainda que 24 dessas tinham indícios de execução.

"Descumprimento sistemático dos critérios definidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a realização de operações policiais, estipulados pelo instrumento que ficou conhecido como ADPF das Favelas. Esta foi a tônica das incursões policiais ocorridas no conjunto de 16 favelas da Maré em 2022 e que resultou no maior número de mortes dos últimos três anos", diz o boletim.


O projeto "De Olho na Maré", que também participa do boletim, pontua a falta de elementos exigidos pela Suprema Corte como a presença de ambulância para socorrer feridos, distanciamento de ações próximo a unidades de ensino e uso de câmeras de vídeo pelos agentes.

Na questão das escolas, por exemplo, o levantamento aponta que 62% das operações foram feitas perto de escolas e creches e 67% no entorno de alguma unidade de saúde. Ao todo, foram 15 dias de aulas perdidas nas unidades de ensino e 19 dias de atendimento médico suspenso por conta da violência.

Para a coorndenadora do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, Liliane Santos, a situação é dramática e o número crescente de mortes só confirma isso.

“Todo este contexto torna-se ainda mais dramático quando constatamos que grande parte das
mortes tiveram indícios de execução. Nas operações policiais, o número chegou a 89%. Nestes
casos, as vítimas não têm qualquer chance de defesa, elas sofrem uma sentença de morte onde
as chances de investigação e responsabilização dos culpados é mínima”, analisa Liliane.

De acordo com o boletim, do total de 39 pessoas mortas, 97% eram homens e, destes, 81% foram identificados como pretos ou pardos e 69% tinham até 29 anos.

O levantamento também aponta para a violação de direitos de moradores, como invasões a domicílio, violência psicológica, violência física, dano ao patrimônio, cárcere, tortura e assédio sexual. Ao todo, foram 283 registros desse tipo, sendo 91,5% registrado durante operações policiais, segundo o boletim.

"Em 2005, meu filho foi alvejado, por dois tiros à queima roupa pelas costas da PM, e agora eu vivi a mesma situação, em setembro de 2022, com o meu marido. Ele estava indo para me buscar, porque a gente tinha uma barraca de bebidas, e ele foi morto. Bateram nele primeiro e depois mataram ele. Até quando vamos viver com essa violência. Só resta dor e a saudade", disse Rosilene Marques da Silva, 56 anos.

A moradora da Vila do Pinheiro era companheira de José Henrique da Silva, o Zé Careca, de 53 anos, que foi morto durante uma operação do Bope e do Core no Complexo da Maré, no dia 26 de setembro do ano passado.

"O que entendo da lei é pegar e prender, não é matar. Porque ninguém tem direito de tirar a vida do outro. Eles não querem saber se vamos ficar com dor saudade. Todo mundo que mora na comunidade para eles é mãe de traficante, traficante e pai de traficante", disse Rosilene.

A jovem Rafaelly Villar, de 28 anos, irmã do jovem Guilherme Villar, morto no último dia 25 de novembro, durante uma operação policial na Nova Holanda. "Meu irmão foi arrastado, não acharam nada com ele, nada, arma ou droga. Arrastaram ele e levaram até um beco para induzir que ele estava dentro de uma casa cheia de drogas. Torturaram meu irmão, porque mostra em um vídeo ao vivo os policias colocando um saco plástico na cabeça dele", lembra Rafaelly.

"Queremos Justiça, não só por ele, mas por todo mundo que morreu aqui dentro e que vai morrer ainda. Porque eles não vem para prender, eles vem para matar. Se eles viessem para prender, poderiam procurar para saber se ele era envolvido ou não e ter levado ele preso, porque não pegaram ele morto. Pegaram vivo", comentou a irmã de Guilherme.
Em nota, o Governo do Estado pontuou a respeito das demandas cobradas pelo STF nas operações policiais. O primeiro ponto mencionado foi a respeito das câmeras e do monitoramento das ações:  "O Governo do Estado vem investindo em câmeras operacionais portáteis — cerca de 21 mil, na maior licitação para esse tipo de equipamento já feita no país. As câmeras foram adquiridas para uso das forças de segurança – na Polícia Militar já há 9 mil em uso em todos os 39 batalhões de área -, Defesa Civil e fiscalização", explicou.
O governo também detalhou sobre a questão do número de mortes apontado pelo boletim e sobre o Plano de Redução de Letalidade Decorrente de Intervenção Policial. O documento já foi enviado ao ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), em versão atualizada.
"Conforme determinado pelo STF, foram realizadas audiência e consulta pública. O texto – republicado no Diário Oficial e enviado ao ministro - incorpora sugestões encaminhadas por representantes da sociedade civil e instituições de estado, como Ministério Público, Defensoria Pública e OAB", esclareceu. 

Segundo o Governo do Estado, o plano, que será aplicado em toda a estrutura de segurança pública do estado do Rio, prevê o aprimoramento de três eixos de atuação: recursos humanos, recursos materiais e procedimentos administrativos e operacionais.
"O texto tem metas, diretrizes, obrigações e vedações para prevenir a ocorrência de resultados letais decorrentes de intervenções policiais. No dia 16/02, foi realizada audiência no STF para que os autores pudessem esclarecer dúvidas sobre o programa de utilização das 'bodycams'", avaliou.
Ainda sobre a avaliação do projeto De Olho na Maré, o governo informou que o as ambulâncias do Grupamento Especial de Salvamento e Ações de Resgate (GESAR) integram  as operações continuamente. "Somente no fim de 2022 foram adquiridas duas viaturas equipadas internamente com os mesmos recursos de uma UTI móvel e com a mesma blindagem dos veículos de transporte de tropa", finalizou.